É possível, sim! Nas redes sociais surgiram recentemente um rol de comentários a propósito de…

Ai, ai, que vem aí o triple 10
Ora é porque chove, ora é porque não chove…
Estamos bem entrados em Março e em algumas zonas do país só agora se está a proceder à poda. Contam-nos os produtores que, se se conseguir atrasar a poda, poderemos ver-nos livres de geadas primaveris, daquelas que costumam ser dramáticas para as vinhas. Por localização geográfica e clima, Portugal nem se pode queixar muito, sobretudo se pensarmos noutras regiões do mundo onde as geadas são visita anual e cada vez mais catastróficas, como certas de regiões de França, por exemplo. E as geadas são apenas um de muitos (e cada vez mais) acidentes que podem ocorrer nas vinhas em virtude do clima e das alterações do mesmo.
Assim à primeira vista, um leigo pode pensar que esta chuva toda que tem caído pode ser uma benção para as vinhas, sobretudo as de sequeiro, porque o solo fica com reservas que serão muito úteis lá mais para a frente, quando os calores apertarem. Nesse aspecto, é verdade; no entanto, a manter-se este nível de precipitação os terrenos ficam tão enlameados e empapados que os tractores não conseguem entrar nas vinhas para fazer os tratamentos. E quando se der a nascença corre-se o risco da vinha ter escoriose, uma das doenças do lenho (a parte lenhosa da videira) e que pode surgir logo à nascença, requerendo muita prevenção, devendo-se arrancar as cepas antigas já atacadas e queimar os restos da poda; é causada por dois fungos diferentes que se conjugam e originam uma muito menor nascença dos gomos e consequente quebra na produção por parcela.
Se a seguir à chuva e frio vierem uns bons dias de calor, a planta rebenta à força toda e aí o triple 10 pode fazer miséria: se se conjugarem 10º de temperatura (pelo menos), 10 ml de chuva e lançamentos já com 10 cm, então é certo e sabido que teremos míldio a espalhar-se. Pode prevenir-se? Pode, mas é preciso que as máquinas entrem na vinha (se conseguirem) para pulverizar. E o pequeno produtor o que faz? Se a parcela for de pequena dimensão, leva o pulverizador às costas e faz os tratamentos. Estamos a falar de produtos à base de cobre e enxofre que devem ser aplicados preventivamente para evitar o desenvolvimento da doença. Em agricultura bio também são autorizados (em menor proporção) mas não há que ter medo de dizer que, só com rezas e mezinhas, o mais certo é perder-se tudo.
E nunca me esqueço da história que Jorge Moreira, um produtor e enólogo do Douro, me contou: na sua vinha, que ele tentava conduzir em modo bio, algures perto do Vale do Pinhão, teve de renunciar à certificação porque a vinha contígua, meio abandonada e mal tratada, era um cadinho onde o míldio se desenvolvia sem controle e se espalhava para a sua que, ao seguir as regras bio, estava menos bem protegida. A decisão foi fácil: adeus certificação, viva o vinho, que tem imensa qualidade, ainda que tratado com mais químicos. Esta é uma guerra anual anunciada e já dela falámos algumas vezes. E todos os anos a ciência avança mais um bocadinho na procura de produtos menos intrusivos e menos prejudiciais para o solo (onde o cobre deixa resíduos durante muito tempo) e para o ambiente.
No entanto, quando as condições climáticas são muito adversas, as boas intenções não chegam. É claro que, no final da festa ouviremos alguns enólogos a dizer que usaram pouco e outros mesmo a dizer que o chá de camomila foi fantástico. Felizmente ainda não somos obrigados a acreditar em tudo o que nos dizem e, no que respeita a viticultura e enologia, a verdade é sempre muito nublosa. Eu, antigo na profissão, desconto uns 30 a 40% ao que oiço. E, se calhar, estou a ser bonzinho…
Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)
A Torre branco 2019
Região: Vinho Verde Monção e Melgaço
Produtor: Anselmo Mendes
Casta: Alvarinho
Enologia: Anselmo Mendes
PVP: €55
Deste topo de gama da quinta que o produtor tem em Monção, fizeram-se 4000 exemplares. Já tem quatro anos e meio de garrafa.
Dica: perfil aromático a lembrar um Riesling (notas apetroladas, só possíveis com o tempo já decorrido em garrafa), tem uma gordura e uma textura na boca que o aproxima dos grandes borgonhas. O preço, face à qualidade, é altamente conveniente.
Bons Ares tinto 2021
Região: Reg. Duriense
Produtor: Ramos Pinto
Castas: Cabernet Sauvignon (45%), Touriga Nacional (40%) e Touriga Francesa
Enologia: João Luís Baptista
PVP: €15
Vinha a 600 m, em solos graníticos. Nasceu em 1992 e o Cabernet Sauvignon era então entendido como “casta melhoradora”. Ainda que o futuro tenha demonstrado que não era precisa, o vinho ganhou este perfil e dele não abdica.
Dica: muito boa combinação das castas, num ano fresco que gerou vinhos finos e elegantes. Um clássico, absolutamente consensual.
Quinta Nova Vinha Centenária Ref P28/P21 tinto 2021
Região: Douro
Produtor: Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo
Castas: 75% de Tinta Roriz (P28) acrescida de Vinha centenária (P21)
Enologia: Sónia Pereira/Jorge Alves
PVP: €90
A parcela de Tinta Roriz tem apenas 1,57 ha, actualmente com 45 anos. O ano permitiu um tinto pouco carregado de cor mas com muita classe e a revelar grande equilíbrio. Foram feitas 4930 garrafas e 200 magnuns.
Dica: um tinto de luxo, de grande polimento, com belo desenho de fruta e taninos. Permite boa prova desde já mas resistirá bem à cave.
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