Pelas cepas mas também pelas bichas Janeiro é suposto ser uma época de clima frio,…

Confortos da Alma
E se é para pecar, que seja em grande estilo
O tema das aguardentes não é dos mais fáceis. Por inúmeras razões, sendo uma delas (talvez não a principal) o receio do consumo. Depois de (muitos) abusos anteriores, de décadas de má vida e bebedeira insensata, muitos consumidores foram forçados a pôr ponto final no consumo de destilados E quem diz aguardentes, diz whiskies, vodkas e afins, tudo bebidas com elevado teor de álcool (em torno de 40%). Uns foram à faca e mudaram de fígado, outros finaram-se com cirroses, e muitos, que ainda gostam de andar por cá, deixaram de beber.
Se juntarmos a isto a carga fiscal que incide sobre estes produtos, a perseguição e fiscalização quase pidesca que a Alfândega exerce sobre os produtores, percebe-se melhor que muitas destilarias tenham fechado portas; umas porque o negócio não era rentável face aos impostos e outras porque uns atrevidos entraram de noite na adega e roubaram tudo quanto era material de cobre, por coincidência o metal de que são feitos os alambiques. Felizmente também há boas notícias e a fiscalização fez com que acabassem os destilados feitos sem ciência e sem controle. Por isso, quando me falam que “esta aguardente é genuína, é do lavrador” digo logo (mentindo, claro…) que não consumo destilados. Livra! É que maus destilados geram compostos (metanol e 2-butanol) que se excederem os limites legais podem até, em situação limite, levar à cegueira.
A outra grande notícia é que temos actualmente em Portugal excelentes aguardentes vínicas (deixemos por agora as bagaceiras de lado…) de que são exemplo as sugestões de hoje, todas elas com um portfólio que inclui gamas de idades variadas. A Aveleda (com uma garrafa desenhada ainda no séc. XIX) é uma marca icónica dos Vinhos Verdes. A Quinta do Rol tem origem na Lourinhã, uma das três regiões demarcadas de mundo que só produzem aguardentes vínicas e mais nenhum produto vínico; as outras são Cognac e Armagnac e a Aliança que, com tradição muito antiga neste domínio, lançou agora uma aguardente com 50 anos. A Aliança já tinha no mercado uma de 40 anos mas foram escolhidas algumas aguardentes de 40 anos para estagiar mais 10 em toneis de moscatel de Setúbal. Uma pequena parte, integrou o lote final deste 50 anos.
Sejamos claros, a idade destas aguardentes faz corar de vergonha muito Cognac que a partir de 10 anos de idade já pode ostentar a designação XO, a mais alta da hierarquia. Como em muitos outros temas, também aqui entram a história da marca e o marketing sabedor que faz com que muitos Cognac sejam vendidos a preço de ourivesaria. Para se fazer uma grande aguardente vínica usam-se castas muito produtivas (10 litros de vinho originam 1 litro de aguardente), com boa acidez e baixo teor alcoólico; tudo diferente do vinho, portanto. O vinho resultante da fermentação deverá ser imediatamente destilado em alambique, sem adição de sulfuroso (que interagiria com o cobre) e depois, então, segue-se o estágio em casco.
Por norma, casco novo nos 2 primeiros anos e depois barricas usadas. Nesse tempo passado em casco novo a perda por evaporação é brutal. Diz-se que é a parte dos anjos mas não há registo que sejam assim tão bebedolas! A madeira nova é que aprecia… Depois entra a parte da ciência e da paciência: provar, lotar, guardar em cave fria, sem correntes de ar, com temperatura constante e ter a coragem de dizer “agora já chega, vamos engarrafar”. As caves de envelhecimento das três casas que hoje falo merecem visita. E justificam que provemos o resultado do saber e da paciência de muitas gerações. A última grande notícia é que se quiséssemos fazer uma lista, não de 3 mas de 30, continuaríamos a falar de grandes aguardentes vínicas portuguesas.
Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)
Aliança XO Aguardente Vínica Velha 50 anos
Produtor: Bacalhôa Vinhos de Portugal
Enologia: Francisco Antunes
PVP: € 350 (garrafa de 500 ml)
A base desta aguardente foi destilada em 1963 e, de então para cá estagiou em madeira de várias capacidades. Muito raramente se engarrafa aguardente de um ano determinado. A regra é sempre o lote.
Dica: notas de madeiras exóticas no aroma, macio e envolvente na boca, muito expressiva na fruta confitada e no final longo.
Quinta do Rol Aguardente Vínica 21 anos
Região: Lourinhã
Produtor: Quinta do Rol
Castas: Alicante Branco, Malvasia Rei e Tália
Enologia: Pedro Correia
PVP: €150 (garrafa de 500 ml)
A quinta do Rol é o principal destilador da região demarcada, fazendo também muito trabalho em prestação de serviços para outros produtores que têm marca no mercado.
Dica: nota de frutos secos (alperce) e licores com a madeira muito bem inserida. Bom impacto na boca, cheio, volumoso e tenso. Belo produto.
Adega Velha Aguardente Vínica 30 anos
Região: Vinhos Verdes
Produtor: Quinta da Aveleda
Castas: Vinhão, Azal tinto, Borraçal e Espadeiro
Enologia: Diogo Campilho (director de enologia) e Susete Rodrigues
PVP: €100 (garrafa de 500 ml)
Um clássico é um clássico e a Adega Velha acompanhou as gerações que nos antecederam. Não foi por acaso, foi fruto da qualidade que sempre ostentou.
Dica: excelentes notas de fruta em calda, madeira perfeita, grande delicadeza na boca, com final deliciosamente prolongado.
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