Pelas cepas mas também pelas bichas Janeiro é suposto ser uma época de clima frio,…

Entre ovelhas, burros e cães, o vinho está cheio de histórias
E, se recuarmos muito, só paramos na Bíblia
Acontece com frequência. Temos tendência a pensar que foram as modernas técnicas e os estudos científicos que trouxeram a vinha e o vinho para o patamar em que se encontra. Em grande parte, é verdade; hoje sabemos muito (mas não tudo) sobe os solos, o clima, a interacção entre a planta e o ambiente e, claro, sabemos muito sobre fermentações, leveduras, estágios e barricas. No entanto algumas inovações poderão ser fruto do acaso e da observação da Natureza. Assim, o homem acumula saber de experiência feito que depois melhora e transmite às gerações vindouras. Vem isto a propósito, imagine-se, de uma pequena rúbrica inserida no Diário de Lisboa, de 30 Novembro 1967. O Ribatejo estava alagado com as cheias, uma verdadeira calamidade, e o jornal, além de noticiar os acontecimentos, manteve as suas colunas habituais. Uma delas, diária, chamava-se A França e o Bom Vinho. Ali, e com pequenas ilustrações, se dava conta de assuntos relacionados com a história do vinho.
Nesse dia de Dezembro contava-se que Rabelais afirmou que os burros que pertenciam à abadia de Marmoutiers, perto de Tours, entraram de rompante na vinha e comeram folhas e rebentos das videiras. Julgando a colheita perdida, os monges verificaram, meses mais tarde, que as videiras tinham rebentado ainda com mais vigor. Crê-se que a poda terá sido então assumida como parte integrante do tratamento da vinha. Contou-me um ex-aluno do Prof. Rogério de Castro (ISA) que ele acrescentava a esta tese dos burros (história já antiga, portanto), a história das ovelhas que, logo a seguir à vindima entravam na vinha e faziam aquilo que hoje chamamos de pré-poda. Terá sido da observação do comportamento das plantas que as técnicas foram surgindo e sendo adaptadas às necessidades. Toda a história do champanhe é também uma sucessão incrível de pequenas inovações, algumas delas que resultaram de acções involuntárias do homem e outras que foram resultado de muitas experiências, muita garrafa partida e muito vinho derramado. A Bíblia, consta, é farta em exemplos e ensinamentos de viticultura e no Evangelho de S. João (Jo 15, 1-8), Jesus afirma: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador. Toda a vara em mim, que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto.” Thomaz Vieira da Cruz, no seu livro Viti, Vini, Vici, Ed. Autor 2022, aponta várias passagens e interpretações de temas religiosos que se relacionam com a vinha e o vinho.
Até nos nomes das castas alguma fantasia é também trazida a terreiro: a Uva Cão, casta hoje em reabilitação no Dão e da qual não se conhece sinonímia, teria ganho esse nome porque sendo uma variedade branca de acidez muitíssimo elevada, seria plantada nas bordas da vinha à beira dos caminhos para que o passante, ao colher uns bagos ficasse com uma sensação tão ácida na boca que não se atreveria a comer mais. Aquela uva era o cão que guardava a vinha. Era uma das castas dos célebres brancos ensaiados por Cardoso Vilhena no Centro de Estudos de Nelas.
Voltando ao Diário de Lisboa, os apontamentos diários sobre as histórias do vinho enaltecem a acção dos monges dos mosteiros franceses que, paciente e minuciosamente, terão estudado os solos e contribuído assim para o progresso do conhecimento. Creio que todos reconhecemos nos franceses essa habilidade para se auto-elogiarem. Não terá sido tanto assim mas a história dos burros e das ovelhas é uma excelente forma de começar uma aula na Faculdade. Era o que eu faria, se desse lá aulas.
Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)
Chocapalha Reserva branco 2023
Região: Reg. Lisboa
Produtor: Casa Agr. das Mimosas
Castas: Chardonnay (75%) e Arinto
Enologia: Sandra Tavares da Silva/Miguel Cavaco
PVP: €16
As vinhas têm agora um pouco mais de 30 anos. O mosto fermentou em barrica e aí estagiou depois por 9 meses. Feitas 4 100 garrafas.
Dica: muito bom equilíbrio entre fruta citrina e notas de barrica. Na boca tem um bom balanço, com acidez viva e corpo médio. Muito prazer a beber.
Mamoré Sem Amarras Castelão tinto 2022
Região: Alentejo
Produtor: Sovibor
Casta: Castelão
Enologia: António Ventura
PVP: €29,90
A colecção Sem Amarras aponta para vinhos desobedientes que não querem cumprir regras ou modas. As uvas têm origem numa vinha sem rega e muito velha (50 anos). Pisa a pé em lagar e estágio em talha.
Dica: é, de certa forma, um hino aos tintos de Castelão de outrora, abertos na cor e muito gastronómicos, absolutamente consensuais.
Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo Reserva Terroir tinto 2022
Região: Douro
Produtor: Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo
Castas: quatro castas da região
Enologia: Jorge Alves
PVP: €18
A primeira edição foi em 2015. A vinha está em solos de xisto, no Cima Corgo, entre Régua e Pinhão, margem norte. Estágio em barrica durante 9 meses.
Dica: este é um tinto que espelha o clima quente do Douro e por isso os 14º, parecendo exagerados, não são. Há aqui um excelente equilíbrio de conjunto e uma inegável aptidão gastronómica. E preço convidativo.
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