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Com o final no horizonte

Já é possível algum balanço da vindima de 24

À hora desta crónica “vir a lume” muitas vindimas já terminaram e começa a ser possível ter alguns dados sobre o que se vai colher. Mas antes de lá irmos é bom ter em conta que, mais uma vez, a Natureza se encarregou de dizer aos técnicos, sejam eles de viticultura ou de enologia que, por muito que estudem e investiguem, continuam a surgir fenómenos que a ciência não explica. Lembro-me que aqui há uns bons 8 ou 10 anos algo aconteceu no Alentejo que deixou os enólogos atónitos: mesmo tendo inoculado os mostos com leveduras seleccionadas, o que em anos “normais” levaria a fermentação até ao fim sem problemas, o que é certo é que houve paragens de fermentação, não num mas em vários produtores e foi alarme geral: fermentações paradas é meio caminho andado para o desenvolvimento das bactérias acéticas que, sem avisarem, logo começam a azedar os mostos. O que é que estava a acontecer?

A ciência não explicou e a vindima lá se levou a bom termo. Aqui há uns dois anos, outro fenómeno insólito: mostos com teores de açúcar elevados e bom potencial alcoólico mas com a acidez igualmente muito alta quando, seguindo o que vem nos livros, esses dois valores crescem em sentido inverso, uma vez que o excesso de calor faz descer a acidez. Já este ano os alarmes voltaram a tocar: mais uma vez no desencontro entre os valores de pH e acidez, face aos teores de açúcar. Sem querer alongar o tema, refiro apenas o desabafo de um produtor alentejano que há uma semana me dizia em plena vinha: “a verdade é continuamos sem saber nada sobre a planta (videira) e o seu comportamento; vamos ensaiando, vamos tentando, às vezes acerta-se, outras vezes estraga-se e por isso cada vindima é única”. Quando é difícil, já se sabe que o termo que todos usam é: desafiante!! Quando houve muitas doenças da vinha (como este ano com o míldio) e que até os produtores de tomate se queixaram do mesmo, o que se ouve é: este ano é para profissionais, para os que se preveniram e atacaram a doença antes dela surgir; os que ficaram a ver, ah e tal, “pode ser que não seja grave”, é possível que não tenham tido nada para colher.

Mas a vinha é madrasta e o clima não ajuda: no ano passado, os ataques “terroristas” da cicadela (uma traça que gosta de folhinhas verdes e que se refugia na vinha quando à volta já está tudo seco) chegaram tardiamente, numa altura em que os trabalhadores estavam de férias, os tractoristas estavam a ajudar na montagem dos adereços da festa da aldeia e as senhoras a tratar da quermesse. Como se costuma dizer: assim não há condições! Míldio em 24, cicadela em 23, para o ano logo se vê. O que parece muito óbvio é que sem uma atenção permanente e um cuidado enorme em atacar preventivamente tudo o que pode ocorrer na vinha, é muito provável que não se consiga obter uvas de qualidade.

Com sorte, talvez uma ou duas colheitas em dez, algo impensável para quem precisa de vender vinho para pagar as contas. É bom para poetas, mau para quem tem os pés na terra. Da vindima de 24 falaremos depois mas parece que, quem foi profissional, colheu uvas muito boas. A ciência tem vindo a fornecer ferramentas cada vez melhores para ajudar os produtores mas uma coisa não evita: a supervisão permanente da vinha. Uma dor de cabeça enorme a que alguns chamam “pouca intervenção”! Uns cómicos, só pode…

Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)

Duas Quintas Reserva branco 2023
Região: Douro
Produtor: Ramos Pinto
Castas: Rabigato, Arinto e Gouveio
Enologia: João Luis Batista
PVP: €23,40
Este é já um clássico da região, um dos primeiros brancos de referência que mostrou o potencial do Douro para fazer bons brancos. As duas quintas são, claro, Ervamoira e Bons Ares.
Dica: muito bom equilíbrio entre corpo e acidez, tudo num registo que sugere muitas ligações à mesa. Bastará pôr a imaginação a trabalhar. Será uma bela aposta.

Dalva Metamorfose branco 2019
Região: Douro
Produtor: Granvinhos
Castas: misturadas em vinha velha
Enologia: José Manuel Sousa Soares
PVP: €35
Uvas com origem em vinha centenária de Sabrosa. Fermentação e estágio de 8 meses em barrica usada. 1600 garrafas produzidas. 12% álcool
Dica: cor dourada, aroma evoluído mas cheio de garra, boa presença das notas da madeira, fruta madura e frutos secos. Um branco original, afastado das modas. Excelente para queijos.

Quanta Terra Cota 600 tinto 2023
Região: Douro
Produtor: Quanta Terra
Castas: Tinta Amarela e Tinta Roriz, ambas do planalto de Alijó
Enologia: Celso Pereira/Jorge Alves
PVP: €18
Vinhas em altitude, o vinho é comercializado bem jovem, o que acentua o lado de vinho convivial e descomprometido.
Dica: muito fácil de provar e gostar, tem elegância, tem perfume de fruta, tem um excelente envolvimento na boca. Polivalente à mesa.

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