skip to Main Content

Provar e entender

Nem sempre em prova cega

Um dos vinhos que sugiro hoje – Mater-Dôme – tem algo de especial e muito pouco habitual no mundo dos vinhos. Lendo o rótulo somos informados que o vinho esteve 17 anos em estágio, entre madeira e cubas de cimento. A primeira pergunta que nos surge é: para quê tanto tempo de espera? E valeu a pena? O vinho é assim tão diferente ou melhor que outro tinto, apenas estagiado um ou dois anos como é habitual? A resposta não é simples mas o tema merece mais conversa. Um vinho deste tipo, se for bem explicado pelo produtor, se conseguirmos perceber a razão das opções tomadas e que elas façam sentido, então poderemos apreciá-lo melhor. Mas será que, se o vinho tivesse sido provado por exemplo no âmbito de um concurso em que nada se sabe do que se está a provar, obteria uma classificação excepcional? Não creio. É sempre aconselhável que exista uma relação entre a classificação, a qualidade e o preço mas…voltando ao nosso vinho de hoje, ao fim de tantos anos de espera, qual seria então o valor indicado para o vinho?

Muito difícil de responder porque o tal vinho, ainda que possa ser mais bem apreciado se for bem explicado, a verdade é que os factores diferenciadores não são óbvios e esses factores só serão tidos em conta, quem sabe, no ambiente onde nasceu, na vinha, na adega, no conhecimento de todo o trajecto do vinho. Por essa razão há vinhos que não se devem enviar nem para provas onde não possam ser explicados nem para concursos. O assunto, no entanto, não se fica por aqui porque, mesmo com todas as explicações e boa vontade do produtor, o vinho pode sugerir muito pouco a quem prova, não transmitir qualquer sensação de originalidade, de emoção ou de diferença que depois possa justificar o preço ou uma alta classificação.

Entramos assim num impasse em que muitos factores devem ser tidos em conta. Alguns deles costumam ser bem assinalados pelos produtores: a vinha é muito velha e não permite mecanização, é muito exigente em termos de mão-de-obra, pouco rendimento para muito trabalho e barricas caríssimas, são alguns dos habituais argumentos. O produtor pode, por exemplo, ter optado por usar uma casta rara que é pouco aromática; bem explicado, o vinho poderá ser apreciado exactamente por essa originalidade. Já num concurso, um provador diria: este vinho não cheira a nada! Classificação?  Banal, sem expressão. Se o vinho não tiver os tais factores diferenciadores que sejam evidentes na prova, não é a idade da vinha ou o preço da barrica que farão a diferença. Por isso se diz que um vinho para concursos tem de deixar uma boa impressão em quem prova e isso passa pela qualidade da fruta, a total ausência de defeitos, a boa presença na boca, boa barrica, bom final. Então, qual é o drama? É que esse tal (hipotético) vinho que teve a tal medalha de ouro no concurso, pode custar apenas 8 ou 10 euros. O consumidor dificilmente faz uma opção por um vinho só por ser caro. Para pagar muito mais por um vinho é preciso conhecer a estória que o envolve, ter confiança no produtor ou no enólogo. É bom também não dar muito crédito à conversa de muitos contra-rótulos onde, em jeito de tentar justificar o preço alto, se afirma que o vinho teve pouca intervenção, que usou leveduras indígenas e que não tem sulfitos. Os franceses chamam a isto épater les bourgeois. E com razão. Quanto ao nosso Mater-Dôme, o produtor informou-nos que terá novas edições. “Tenho muitos vinhos em arquivo”, afirmou.

Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)

Equinócio branco 2022
Região: Alentejo (Portalegre)
Produtor: Cabeças do Reguengo
Castas: várias em vinha velha
Enologia: João Afonso
PVP: €32
Vinhas na Serra de São Mamede. Dourado na cor, apresenta um aroma maduro muito atractivo e claramente conotado com as vinhas velhas, sem excessos de exuberâncias de fruta. Mostra-se muito bem.
Dica: a boa harmonia que apresenta, com leveza de corpo, pede pratos de peixe em cozinhado curto, por exemplo.

Mater-Dôme tinto 2007
Região: Douro
Produtor: Mateus Nicolau de Almeida
Castas: várias da zona da Mêda
Enologia: Mateus Nicolau de Almeida
PVP: €35
Vinhas em zona de altitude, o tinto estagiou por 17 anos (vem indicado no rótulo), entre barricas e cubas de cimento. Resulta muito original. 3000 garrafas, a preço moderado.
Dica: impecável na frescura da fruta, agora com todos os elementos em boa integração. Desconcertante pela idade, muito agradável de beber.

Quinta dos Frades Vinha dos Deuses Reserva tinto 2019
Região: Douro
Produtor: Quinta dos Frades
Castas: castas várias da região
Enologia: Anselmo Mendes/Diogo Lopes
PVP: €15,25
Esta quinta, das mais antigas do Douro, tem 200 ha. Pertenceu à ordem de Cister. Em 1941 foi adquirida por Delfim Ferreira, estando ainda na posse da família.
Dica: uvas pisadas em lagar, um ano em barrica. Mostra uma boa austeridade, ainda com taninos presentes mas já a dar boa prova. Um Douro com personalidade.

This Post Has 0 Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Back To Top
Search