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Habaneros, sombreros e vinhos

E em três dias “voaram” 7500 amostras

Terminou há uma semana o Concurso Mundial de Bruxelas (CMB) que este ano teve lugar no México, na cidade de Leon, Estado de Guanajuato. Foi por ali, bem no centro do país e longe da Cidade do México, que os espanhóis andaram, a partir do séc. XVI, à procura de ouro e prata. A cidade de Guanajuato, perto de Leon, é hoje Património Mundial da UNESCO. À vista, há hoje mais pimentos habaneros e sombreros do que prata, o que não é de estranhar. O concurso abordava apenas vinhos brancos e tintos, uma vez que o CMB está desdobrado em outros certames que contemplam vinhos rosés, uma edição dedicada especialmente a vinhos de Sauvignon Blanc e outra a licorosos e destilados.

De cá para lá voaram, em representação da pátria, 16 provadores, entre jornalistas, pessoas ligadas ao trade e um sommelier. Vinhos portugueses a concurso eram 846, sempre uma representação muito significativa. No total eram 300 provadores distribuídos por 54 júris. Em três manhãs de prova, cada mesa de 5 provadores testou, por dia, cerca de 45/50 vinhos em prova cega, agrupados em 4 ou 5 flights, com alguma coerência: poderiam ser da mesma casta, do mesmo país ou da mesma região; a única indicação fornecida era a data da colheita, importante para a análise do vinho. O jogo interessante é, no final de cada flight, quando já não é possível alterar as notas, tentar adivinhar de onde poderão ser os vinhos. O meu palpite mais próximo foi dizer que um grupo de tintos poderiam ser Douro e, afinal, eram Ribera del Duero. Como nem tudo foram rosas, num grupo de 12 vinhos que calharam no meu júri, 6 foram rejeitados (rolha e volátil em excesso) após serem provadas duas amostras do mesmo vinho. Eram mexicanos. Acontece… mas não devia! As medalhas destes concursos, ao contrário do que muita gente pensa, não são fáceis de conseguir: só 30% dos vinhos a concurso podem ser medalhados e apenas 1% pode atingir o Grand Gold, o galardão máximo, só ao alcance de 75 vinhos. Fácil? Olhe que não…

Com mais de 20 presenças neste concurso, noto que os vinhos estão, em geral, mais equilibrados, mais bem feitos, mas também todos muito parecidos uns com os outros, independentemente do local de origem. Dito por outras palavras, é cada vez mais difícil encontrar vinhos que expressem o sítio de onde vêm. Porquê? Porque são vinhos do quotidiano, vinhos de supermercado, pensados para agradar a todos, feitos da mesma maneira, com as mesmas leveduras (nem sempre aromaticamente neutras…), com as mesmas aparas de madeira e, muitas vezes, com açúcar residual para ficarem mais macios. Não são vinhos de sonho, são vinhos tecnológicos mas são abordáveis em termos de preço e acessíveis em múltiplos pontos de venda. É também bom não esquecer que uma medalha significa apenas que o vinho se portou bem neste concurso e no júri onde calhou. Não se devem tirar conclusões absolutas sobre as classificações obtidas. Um vinho de €4 pode ter um Grand Gold porque se mostrou muito melhor que os seus parceiros de flight; só por si não significa que seja melhor que um de €12 ou €15. As medalhas são importantes para o negócio e fundamentais para quem quer exportar. Conversa de importador: estou a pensar importar o seu vinho; que medalhas já teve? Nenhuma? Ok, depois digo qualquer coisa…
Moral da história: nada de exageros mas que as medalhas dão jeito, ah isso dão! A próxima edição (a 32ª) terá lugar, em 2025, em Ningxia (China), onde se concentram os principais produtores de vinho do país.

Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)

Quinta da Alorna Reserva das Pedras tinto 2020
Região: DOC do Tejo
Produtor: Quinta da Alorna
Casta: Tinta Miúda
Enologia: Martta Simões
PVP: €20
Tem origem em vinhas que outrora (milhões de anos) foram leito do rio e que hoje são de calhau rolado. A casta, também usada na Rioja, é antiga mas está em desuso.
Dica: aberto na cor, rústico mas autêntico no aroma, com evidente potencial de vida em cave. Um tinto que foge à norma, com os vegetais a superarem a fruta.

Espumante Ventozelo Grande Reserva Bruto Natural 2018
Região: Douro
Produtor: Quinta de Ventozelo
Castas: Malvasia Fina, Rabigato, Códega e Gouveio
Enologia: equipa dirigida por José Sousa Soares
PVP: €33
Feito pelo método clássico, estagiou sobre as borras por 48 meses. A designação Bruto Natural significa que não levou qualquer açúcar no licor de expedição, antes de ser aposta a rolha. Produção de 5 000 garrafas. Disponível em garrafeiras e restauração.
Dica: muito bom o equilíbrio entre a fruta ligeira, a espuma delicada e a frescura de boca. Perfeito para aperitivo, por exemplo.

Quinta do Cume Reserva branco 2022
Região: Douro
Produtor: Quinta do Cume
Castas: Malvasia Fina, Rabigato, Gouveio e Viosinho
Enologia: Jean-Huges Gros/Frederico Cudell Tenreiro
PVP: €15,80
Tem origem na zona histórica de Provezende, provavelmente a mais bonita aldeia do Douro. Parcialmente estagiado em madeira. Foram feitas 7 333 garrafas.
Dica: muito harmonioso, perfeita integração da madeira na fruta, um branco equilibrado e muito polivalente à mesa.

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