Pelas cepas mas também pelas bichas Janeiro é suposto ser uma época de clima frio,…

O El Dorado era ali
Olhar para trás nem sempre é aconselhável
Quando eu era pequenino e a TV apenas tinha um canal a preto e branco, havia anúncios curiosos e alguns, sem que saiba porquê, ficaram-me na memória. Um deles era o da família Prudêncio. Era um desenho animado que nos mostrava a vida de uma família que vivia da agricultura. Como era sugerido, na época usava-se e abusava-se de produtos químicos na agricultura. A toxicidade era tal que, mostrava o anúncio, se deveriam queimar latas, sacos, despir roupa e lavar com cuidado para não haver problemas. Era a época de ouro do 605 Forte, do Shelltox, do DDT e outros venenos que, hoje, só de pensar, nos põem os cabelos em pé. Pensando bem, e tendo memória, nós percebemos que actualmente a agricultura é muito mais amiga do ambiente e que a conversa dos «velhinhos é que sabiam» e que o glifosato é hoje o veneno dos venenos, é uma tontice. O que temos a aprender com (os erros) dos velhinhos são duas coisas: em primeiro lugar que o vinho, se fica «pra li», às vezes sai bem e, outras, azeda; ele não se faz sem apoio. A não intervenção sem ciência que a suporte dá nisto e tem muito mais chances de dar asneira do que originar algo de bom. E, em segundo lugar, o glifosato usa-se onde é preciso e não mais do que é preciso; e falar do glifosato como se de um monstro se tratasse e esquecer a carrada de químicos que estão presentes em toda a cadeia alimentar é sinal de querer tapar o sol com a peneira. O El Dorado não era dantes, qual aurea mediocritas, em que tudo se desenrolava segundo os ciclos da natureza, sem sobressaltos, sem pragas, sem tratamentos. Do tempo dos «velhinhos» para hoje a ciência deu passos gigantescos e agora, no que ao vinho diz respeito, os técnicos têm de tudo à disposição, percebem quando não precisam de intervir e têm as armas para amparar quando tudo parece estar a correr mal. Um enólogo consciente sabe que tem de acompanhar o vinho desde o berço, algo como um educador de infância; sabe o que tem a fazer e tem a paciência necessária para aturar as «birras do vinho», não o deixando descarrilar. Ele tem, sobre os ditos «velhinhos», a enorme vantagem de saber o que está a acontecer, conhecer os caminhos e ter a noção da terapêutica a usar em cada caso. O sr. Prudêncio encharcava a vinha e o pomar com químicos porque, à falta de mais sabedoria, percebia que, dessa forma, se livrava de muitos males e poderia ter uma boa colheita; hoje, a falta de sabedoria diz que o bom é não fazer nada e chamam a isso «vinhos de pouca intervenção». O problema é que há quem acredite e prefira vinhos defeituosos e sem futuro por falta de acompanhamento. A nova era é assim um maná para quem sabe pouco ou não sabe fazer bem; basta andar com uma T-shirt cheia de nódoas ou descalço na vinha para impressionar o visitante. Hoje podemos (e devemos) ser exigentes com os vinhos que nos chegam à mesa porque alguém teve o cuidado que os polir, os burilar, ou seja, de lhes dar o carácter humano, uma das importantes características do vinho. Ele não nasce por si, é uma construção cultural que levou séculos a aprimorar. Acreditar que antes se fazia bem e que agora a ciência veio estragar tudo, não é sinal de grande clarividência – termo simpático que podia ser substituído por outro com mais acinte – mas ficamos por aqui.
Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)
Giz Vinha das Cavaleiras tinto 2019
Região: Bairrada
Produtor: Luis Silva Gomes
Casta: Baga
Enologia: Luis Gomes
PVP: €42
Vinhas centenárias, anteriores a 1930, implantadas em terrenos calcários. Uvas pisadas em lagar, estágio em barrica durante 20 meses. Produzidas 1042 garrafas.
Dica: concentração média, perfil muito fiel à casta e à região, austero e sério, um tinto para a mesa mas também para a cave. Muito bom desenho de conjunto.
Meruge tinto 2019
Região: Douro
Produtor: Lavradores de Feitoria
Castas: Tinta Roriz, Touriga Nacional, Touriga Francesa
Enologia: Paulo Ruão
PVP: €22
Vinhas viradas a norte (que geram mais frescura e acidez), pouca maceração das películas, originando um tinto mais aberto de cor. O perfil foi inspirado no tinto Charme, da Niepoort.
Dica: a pouca cor não lhe retirou o bom perfil aromático de fruta e ervas secas, com a ajuda da barrica a amparar o conjunto. Um tinto salivante, fino, perigosamente atractivo.
Espumante Encontro Special Cuvée Extra Bruto 2016
Região: Bairrada
Produtor: Quinta do Encontro
Casta: Arinto
Enologia: Osvaldo Amado
PVP: €30
Feito pelo método clássico. O vinho teve um estágio de 60 meses em cave antes de ser rolhado. Produzidas 5400 garrafas. Extra Bruto é a designação para os espumantes mais secos.
Dica: bem conseguido, com mousse delicada, bem no aroma e com muitas capacidades para ser bem apreciado à mesa, com marisco ou peixes delicados.
Parecem-me uma bicada aos Niepoort…