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À procura do veneno no vinho

Será que estamos condenados?

Voltou de novo a ser notícia a sugestão europeia de colocar nas garrafas uma indicação sobre os malefícios do álcool. Por analogia com os maços de tabaco que trazem fotografias horrorosas de gargantas cancerosas e pulmões que mais parecem carvão, as garrafas passariam a incluir, vamos lá imaginar, que tipo de fotografias? A foto de um sujeito deitado na sargeta podre de bêbado? Um corpo a boiar no rio que afinal tinha o estômago carregado de álcool? Ou o tal aviso vai limitar-se a alertar para os malefícios do álcool? E a quem interessa a campanha? Às cervejeiras alemãs? Holandesas? E na campanha estão incluídas as cervejas artesanais belgas, algumas delas com teores de álcool quase idênticos ao vinho? O assunto não é tão linear como se possa imaginar à primeira vista. O álcool em excesso faz mal à saúde. Isto é uma verdade de La Palisse mas, em boa verdade, há álcool e álcool. Sugerir que um vinho faz tão mal como um uísque ou um bagaço é, no mínimo, risível. É verdade que vivemos uma época onde o politicamente correcto atingiu níveis quase demenciais e o vinho, naturalmente, não escapa. Espera-se então o quê? Que se deixe de consumir álcool? Nem na Lei Seca no Estados Unidos isso foi conseguido, até porque, como sabemos, a proibição aguça o apetite. Deitar fora milénios de cultura e de saber, à conta de uns tansos que acham que ah e tal, o vinho é um veneno? O álcool em excesso é prejudicial à saúde! Obrigado, agradeço o aviso mas há muito tempo que isso é sabido e não é por tal vir indicado nas garrafas que as pessoas passarão a consumir uma beberagem que por aí circula com o nome de «vinho sem álcool». Por definição o vinho é uma solução hidro-alcoólica, logo, sem álcool não se pode chamar vinho. Pode-se consumir menos? Pode, sobretudo se se consumir melhor, uma vez que o vinho é um acompanhante da refeição, não uma refeição em si. Pode ter-se uma refeição sem vinho? Claro que sim, mas, como nos lembrou Alexandre Dumas, «o vinho é a parte intelectual da refeição (…)». Quando se começa a chamar veneno a algo que tem uma carga histórica tão importante, há sempre umas campainhas que começam a tocar e algo me diz que alguém, algures, vai esfregar as mãos de contente por esta campanha anti-alcoólica ir para a frente. Esperamos todos que os próximos visados com o carimbo «faz mal à saúde», venham a incluir: refrigerantes, aperitivos salgados, bolos e todo o tipo de doçaria industrial, frangos com nitrofuranos e porcos criados à pressa. A listagem, a ser exaustiva, abrangeria mais de metade de tudo o que se vende nos supermercados (e onde se inclui a fruta…), tal é a quantidade de «veneno» que nos querem impingir. O consumo do tabaco terá diminuído, creio, pela proibição do consumo em espaços fechados, não pelas fotos dos maços de tabaco. Será que o vinho corre o mesmo risco? Não creio. Os produtores mundiais de destilados – estamos a falar de muitos, mas mesmo muitos milhões de litros, não estão a dormir. Só a Índia consome mais de metade do todo o whisky fabricado no planeta; uma média de 1,2 litros por ano per capita, contando com 1,3 biliões de habitantes. É só fazer as contas. E, é verdade, viver faz pessimamente à saúde…

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Terrunho d’Alma branco 2019
Região: Monção e Melgaço
Produtor: José Augusto Domingues
Casta: Alvarinho
Enologia: o próprio
PVP: €20
As vinhas, na zona de Monção, estão em meia-encosta norte/nascente. Cerca de 85% do mosto vinho fermentou e estagiou e inox por 10 meses; o restante em barrica de carvalho.
Dica: Ainda muito jovem, sem revelar o efeito do tempo. Fresco na fruta branca, perfeito na acidez, é agora que deve começar a ser bebido. Dá uma bela prova.

Aragonez Vinha da Mina tinto 2021
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Casa Relvas
Casta: Aragonez
Enologia: Nuno Franco
PVP: €12
Vinha em solos graníticos, vindima mecânica nocturna. O vinho depois de fermentado em inox estagiou 9 meses em tonel.
Dica: aroma de recorte doce, muita especiaria de pimenta, macio na boca e passível de prova imediata. Melhor com pratos de carne de médio tempero.

Porto Quinta da Romaneira LBV 2015
Região: Douro
Produtor: Soc. Agr. da Romaneira
Castas: várias
Enologia: Carlos Agrellos
PVP: €18,50
A quinta é uma das grandes propriedades do Douro, de fácil acesso se for por barco, uma vez que fica um pouco acima do Pinhão. A quinta produz também vinhos DOC Douro, Porto Vintage e azeite.
Dica: aroma intenso de especiaria (pimenta preta), chocolate amargo e amoras. Austero e muito sério, revela-se depois na boca com grande textura, muito completo e rico. A beber agora e nos próximos 20 anos.

 

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