Isto de abrir muito o leque pode ser perigoso Toda a gente se queixa do…
O maldito mercado
Basta de lamechices, vamos a coisas sérias
Aos olhos de todos, o sector do Vinho do Porto atravessa uma crise. De consumo, de vendas, de interesse por parte do público. O Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) é o organismo, tutelado pelo Estado, que controla a produção, os stocks e é a entidade certificadora. Anualmente o IVDP comunica a quantidade de Vinho do Porto que os operadores podem fazer. Chega-se a esse montante pela análise do mercado, das perspectivas de vendas e dos stocks existentes.
Como na região tudo se mede em pipas (equivalente a 550 litros) ficaram os produtores este ano autorizados a fazer 75 000 pipas de Vinho do Porto. É muito? É pouco? Para o consumidor pouco informado sobre estes meandros, pode ficar a dúvida mas, uma simples comparação, ajuda a explicar tudo. Se recuarmos até ao ano de 2001, verificamos que a autorização de produção (também conhecida por benefício) foi então de 154 000 pipas, mais do dobro do benefício de 2025. Desde 2017 o benefício não tem parado de diminuir. O argumento a favor desta quebra é óbvio: se se autorizasse uma produção muito grande, que o mercado depois não absorveria, estávamos a condenar o sector a uma baixa brutal de preços (por excesso de oferta) e ninguém beneficiava com isso.
O ano de 2025, tal como se previa, está a ser de quebra significativa de produção, algo que pode ajudar a equilibrar (mas pouco) o sector, tal como referi em anterior crónica. Do lado do consumo, e voltamos de novo a este tema, os vinhos doces atravessam um mau momento a nível mundial, e o Vinho do Porto não escapa. Há uma semana decorreu, em Oeiras, o evento Nobre Gosto, organizado pela revista Grandes Escolhas. Ali teve lugar uma prova de vinhos de Jerez, em que se provaram vários vinhos feitos a partir da casta Pedro Ximénez, emblemática da Andaluzia. Com esta uva faz-se também, pelo sistema de solera, um vinho extremamente concentrado de cor e excessivamente doce, de difícil ligação à mesa (com o queijo Cabrales, das Astúrias, funciona lindamente) mas que é um vinho histórico de Montilla-Moriles. O vinho que se provou tinha cerca de 30 anos de idade e um PVP de, imagine-se, €30! Pode ser interessante para o consumidor, mas não deixa de ser triste e desanimador.
Voltando ao Porto, os vinhos longamente envelhecidos em casco surgem por vezes no mercado a preços que são ofensivos para a região, para os produtores e não justificam tanto esforço, sobretudo se se pensar que um tinto do Douro com 2 ou 3 anos, se apresenta facilmente ao mercado com preços acima dos 30 euros (e há mesmo mais de 50 vinhos acima dos €60). Vale a pena estar a envelhecer Porto? Quem dá o valor correcto e justo por uma boa garrafa de Porto com 50 ou 80 anos? Como se pode fazer crer ao consumidor que um Porto velho é incrivelmente mais valioso que um tinto da Borgonha, cujo preço pode chegar a muitos milhares de euros por garrafa? Dirá o economista: é o mercado, estúpido! E, repare-se, se eu quiser adquirir uma garrafa de um dos mais famosos tintos borgonheses – Domaine Leroy Clos Vougeot Grand Cru 2013, tenho de ir a Espanha comprá-la e pagar €7500 por garrafa, quando pago cerca de €350 por um Porto Vallado 80 anos.
Há aqui qualquer coisa que está mal! O mundo anda muito ingrato para o Vinho do Porto, mas… se não o bebermos, se a restauração não se empenhar, se os sommeliers não o comunicarem correctamente aos clientes, se as empresas não o promoverem e não oferecermos aos amigos sempre que seja possível, também não nos podemos lamentar.
Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)
Tapada de Coelheiros branco 2023
Região: Alentejo
Produtor: Tapada de Coelheiros
Castas: Arinto e Roupeiro
Enologia: Luis Patrão
PVP: €30
A vinha, de sequeiro, foi plantada em 2008. Na adega, o final da fermentação e estágio de 1 ano decorreu em foudre, sobre borras finas e, posteriormente, 6 meses em garrafa.
Dica: a madeira confere-lhe uma boa robustez e complexidade, sustentada por muito boa acidez. Um branco rico, quase outonal.
Duas Quintas tinto 2023
Região: Douro
Produtor: Ramos Pinto
Casta: Touriga Nacional, Touriga Francesa; os restantes 15% são castas variadas.
Enologia: João Luís Baptista
PVP: €14,80
A marca nasceu em 1990 e junta uvas das quintas da Ervamoira e Bons Ares. Vinificação por casta e parcela em quatro tipos diferentes de depósitos. Metade do vinho estagia em barricas e balseiros.
Dica: este é já um tinto clássico do Douro, com enorme consistência de qualidade. Muito fácil de gostar e ainda mais fácil de ficar viciado (no bom sentido, claro…!). Grande parceiro da mesa.
Krohn Porto Vintage 2022
Região: Douro
Produtor: Wiese & Krohn – Winestone Group
Castas: várias
Enologia: equipa dirigida por David Baverstock
PVP: €80
A empresa original foi criada por dois noruegueses em 1865; actualmente integra a Winestone. A base está na quinta do Retiro Novo, no rio Torto. Este vintage está agora a entrar no mercado. Produção de 5960 garrafas.
Dica: muito bom o equilíbrio entre concentração, riqueza de taninos e expressão de fruta negra. Acresce um óptimo balanço, o que torna a prova um prazer.
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