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Uma história triste mas inevitável

E um futuro mais que incerto

Quando que se aproxima o fim de Julho é certo e sabido que há sempre conversa e discussão a propósito do Comunicado de Vindima, documento que indica – após consulta à produção e ao comércio – a quantidade de mosto que se pode beneficiar com aguardente para se fazer Vinho do Porto. Diz-se assim que esta quinta tem x pipas de benefício e aquela tem y, em resultado da classificação da parcela. No Douro tudo se mede em pipas, correspondendo cada uma a 550 litros. A proporção de uma pipa de Vinho do Porto deverá, grosso modo, corresponder a 435 litros de vinho e 115 litros de aguardente. Adicionada a meio da fermentação quando ainda há açúcares por desdobrar, a aguardente pára a fermentação, originando assim um vinho doce e com uma graduação em torno de 20º. O tal comunicado de vindima resulta de uma análise de stocks, de vendas, de mercados e perspectivas dos mesmos para os tempos que vêm. Aqui começam as dificuldades porque o Vinho do Porto tem vindo a perder mercado, vende-se menos, bebe-se menos e, claro, todos se queixam mas poucos fazem algo para mudar a situação.

Para os pequenos lavradores, que geração após geração venderam as suas uvas às casas exportadoras, o horizonte é negro e a explicação é triste mas inevitável, como referi no título desta crónica. Não é preciso recuar mais de 50 anos para se encontrar o seguinte quadro: as grandes casas (como a Symington) tinham poucas quintas e outras (como a Gran Cruz ou Andresen) não tinham nenhuma, a Sogrape e a Fladgate tinham menos do que têm hoje. Neste quadro, a compra à lavoura era obrigatória porque só assim havia disponibilidade e quantidade de uvas suficientes. Eram precisas muitas uvas, logo, o Comunicado de Vindima apontava para valores muito elevados de benefício. Ora, nestes 50 anos aconteceram dois factores de sentido contrário: menos consumo e muito mais quintas compradas pelas grandes empresas. Isto levou a que as necessidades de compra à lavoura tenham diminuído.

Para as grandes casas parece ser muito mais interessante apostar em vinhos do Porto de gama média/alta, seguramente com maior rentabilidade, do que continuar a produzir milhões e milhões de litros de Porto mais ou menos banal que é bebido como aperitivo. Numa área tão extensa como é o Douro, zonas como o Baixo Corgo serão seguramente das mais prejudicadas porque os produtores não encontrarão destino para as uvas e, caso encontrem, de tão baixos os preços muito provavelmente não pagarão sequer a vindima. Para tudo agravar, entra-se no canudo do “já agora”: não consigo arranjar comprador, já agora vou usar as uvas para fazer um tinto do Douro, pode ser que se venda. Por estas e outras, as marcas de vinho do Douro crescem exponencialmente e não se vendem porque não é possível haver mercado para tanto vinho. Não se vislumbra outra solução que não seja o arranque de vinhas porque a diminuição da procura de uvas por parte das grandes casas terá tendência para aumentar e não para diminuir. E ter venda assegurada das uvas é coisa que não existe em nenhuma região, vende-se se houver comprador; esperar vender a quem sempre se vendeu não é uma regra.

E, ainda assim, não esqueçamos que, no Douro, as uvas têm de ser pagas à produção até ao início do ano civil seguinte, algo que está a anos de luz da desgraça que é, por exemplo, entregar uvas a uma adega cooperativa e (talvez) receber 3 anos depois. O mundo do vinho pode ser cruel e, por isso, muitos se estão a virar para o azeite, a amêndoa ou outras frutas. Para refrescar, fiquemo-nos com estes rosés, que os dias vão quentes. Destes, o país produz cada vez mais e cada vez melhores.

Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)

Morgado do Quintão Palhete 2024
Região: Reg. Algarve
Produtor: Morgado do Quintão
Castas: Negra Mole e Crato Branco (Roupeiro)
Enologia: Joana Maçanita
PVP: €16,50
Vinha na região de Lagoa (23 ha), toda com certificação bio. A indicação de palhete significa que as uvas tintas fermentaram em conjunto com as brancas, que, no entanto, não deverão ultrapassar 15% do total.
Dica: fino, elegante, levemente reduzido, ganhando assim um lado mais misterioso. Muito boa frescura de boca, excelente companheiro do Verão.

Mamoré de Borba rosé 2024
Região: Alentejo
Produtor: Sovibor
Casta: Touriga Nacional
Enologia: António Ventura
PVP: €16,98
Implantadas em solos de xisto, as vinhas deste produtor geram vinhos (alguns de talha) muito diversificados, alguns de castas quase extintas, como Carignan e Moreto, por exemplo.
Dica: ligeira cor salmonada, aroma levemente floral e com frutos vermelhos, tudo suave e agradável. Médio corpo e bom desenho de acidez, a prova resulta muito bem. Para a mesa.

Menin rosé 2024
Região: Douro
Produtor: Menin Douro Estates
Castas: Touriga Nacional e 40% de Tinta Roriz
Enologia: Tiago Alves de Sousa e Manuel Saldanha
PVP: €12,90
Vinhas viradas a nascente, fermentação e estágio em inox. Como se trata de uvas tintas, o contacto com as películas foi mínimo para se conseguir obter esta cor salmonada. Estreia deste produtor na gama dos rosés.
Dica: tonalidade rosada muito suave, aroma ligeiro e com leve redução que lhe assenta bem, macio e envolvente na boca, pode ser um óptimo aperitivo.

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