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Porto Vintage 23, a comprar e a beber
Mas com os sentidos à espreita…
Em cada ano, é na Primavera que surgem as confirmações das declarações de vinho do Porto vintage por parte dos vários operadores do sector, englobando-se aqui, quer as grandes e médias empresas, quer os pequenos produtores-engarrafadores. Assim, foi a partir de Janeiro que se enviaram amostras dos lotes para a Câmara de Provadores do IVDP a fim de serem provados (às cegas) e aprovados. Se for reprovado, a empresa terá de refazer o lote e enviar novas amostras.
Os vinhos em causa são da vindima de 2023 e, uma vez aprovados, têm obrigatoriamente de ser engarrafados até finais de 2026. Até ao momento estão aprovados 54 vintages (número que pode ainda aumentar) mas, para comparar, recordemos que a última “grande” declaração foi a de 2017 com 128 vinhos aprovados como vintage. O perfil actual dos vintages é bem diferente dos anos 80 ou inícios de 90: as castas mudaram muito, sobretudo de vinhas mais novas e encontramos agora Touriga Nacional, Sousão, Alicante Bouschet e Touriga Francesa quando, então, os vintages integravam, além da Touriga Francesa, a Tinta Roriz, a Tinta Barroca e a Tinta Amarela. Os que têm origem em vinhas velhas mantêm o perfil: castas misturadas e sem protagonismos. Mas não mudaram só as castas, mudou (e para muito melhor) a aguardente usada, com frequência de origem estrangeira, e mudou também o conceito de prova. Nos vintages dos inícios de 90, por exemplo, procuravam-se apenas dois factores quando provados em novos: cor e taninos. Os aromas e a qualidade da fruta eram de menor importância, uma vez que os vinhos, supostamente, só começariam a ser consumidos 20 anos depois. Nesse espaço de tempo, algumas arestas que os vinhos revelavam em novos seriam polidas pelo tempo.
A bem dizer, mudou tudo: a viticultura mais cuidada originou uvas mais saudáveis e de melhor qualidade; a enologia sustentada por mais conhecimentos técnicos permitiu fazer vinhos mais equilibrados e mais aptos ao consumo em novos. Hoje há também muitos vintages de pequenos produtores, o que dantes não existia. Fica a dúvida: isto quer então dizer que antigamente era tudo mau e agora é tudo bom? Não exactamente, quer antes dizer que a frequência com que agora se consegue fazer bom vintage não tem nada a ver com a ocasionalidade de outrora. Veja-se, como exemplo, a quinta do Noval que tem declarado vintage praticamente todos os anos desde há duas décadas. Nos anos 50, por exemplo, só houve uma grande declaração, em 1955. Durante quase todo o século XX o vintage foi “assunto inglês”, esse era o vinho mais importante para as empresas inglesas que pouco ligavam aos tawnies, um tipo de Porto (como os Colheita) a que as casas portuguesas davam mais atenção. Hoje tudo mudou, tawnies e vintages interessam a todos. Já as quantidades declaradas hoje não têm comparação com outros tempos: em 1927 (ano raro de enorme quantidade e grande qualidade), a Croft e a Cockburn’s declararam entre 360 000 e 480 000 garrafas de vintage; em 2011 a Taylor’s declarou 132 000 garrafas e foi, de longe, a empresa com maior declaração; em 2023 a Ramos Pinto declarou 8 590 garrafas – já referido em anterior crónica – e do vintage Quinta da Gricha (Churchill’s), fizeram-se apenas 3212 garrafas, o que nos dá uma ideia da diferença.
Compare-se também com as quantidades dos vinhos da selecção desta semana. Hoje as grandes casas têm muitas quintas e muitas parcelas onde procurar as melhores uvas e por isso podem fazer vintage quase todos os anos. De vez em quando surgem anos excepcionais (nesses casos com mais quantidades) mas são ainda raros, como o 2011 e 2017 mas, diz-se, para já à boca pequena, que o 2024 (a declarar no ano que vem) poderá juntar-se à short list dos grandes anos.
Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)
Quinta do Noval Vintage 2023
Região: Douro
Produtor: Quinta do Noval
Castas: Touriga Nacional, Touriga Francesa, Sousão, Tinto Cão e Field Blend.
Enologia: Carlos Agrellos
PVP: €120
Deste vintage fizeram-se 27 360 garrafas. Em 23 a empresa editou também o vintage Quinta do Noval Nacional (€1200 por cada uma das 1680 garrafas produzidas) que é um dos vintages mais cobiçados.
Dica: notas químicas e fruta negra, com amoras e ameixas pretas, chocolate amargo; muita concentração, tudo sustentado por acidez perfeita que confere frescura.
Taylor’s Sentinels Vintage 2023
Região: Douro
Produtor: The Fladgate Partnership
Castas: várias em vinha velha
Enologia: equipa dirigida por David Guimaraens
PVP: €42
Feito com uvas das quintas do vale do Pinhão: Terra Feita, Junco, Casa Nova e Eira Velha, tirando assim partido de parcelas com localização e orientação solar diferenciadas. Fizeram-se cerca de 43 300 garrafas. O grupo não declarou vintage nas outras marcas do grupo.
Dica: um vintage virtuoso que combina na perfeição a concentração e a estrutura com um lado químico, especiado, tudo com elegância.
Quinta do Vesúvio Vintage 2023
Região: Douro
Produtor: Symington Family Estates
Castas: Touriga Nacional (53%), Touriga Francesa, Alicante Bouschet, Sousão e 3% de vinha velha.
Enologia: equipa dirigida por Charles Symington
PVP: €85
Por via da pandemia e pelo facto de ser totalmente pisado a pé em lagar, não se editou em 2020 e 21. Se possível, é declarado todos os anos. Nas outras quintas há lagares mecânicos. No mercado está também o vintage Dow’s Senhora da Ribeira 2023. De Vesúvio são 18 480 garrafas e 11 580 de Senhora da Ribeira.
Dica: gordo, cheio, fruta madura de compotas mas também groselha e ervas secas. Portentoso, com muita classe.
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