Isto de abrir muito o leque pode ser perigoso Toda a gente se queixa do…
Os livros, o Nelson e a Arménia
Ser ousado, quando era mais difícil
Não quero deixar passar a morte de Nelson de Matos sem uma palavra. Sobre ele já se escreveu aqui um longo texto na Revista e se salientou o seu papel como editor. No meu caso foi o meu editor de sempre enquanto esteve na Dom Quixote. Tenho com ele uma enorme dívida de gratidão porque, sem qualquer tradição da Dom Quixote, resolveu apostar na edição de um guia de vinhos, assunto então completamente afastado dos interesses da editora. Entrei pela sala dele (sempre com a porta aberta, note-se…) e, sem o conhecer, apresentei o meu projecto: um guia que fosse diferente dos dois então existentes; um de José Salvador, que já há vários anos fazia o seu Roteiro dos Vinhos Portugueses e com quem comecei a trabalhar nos vinhos, e o Guia Comporta, elaborado por dois funcionários do IVV.
Creio que Nelson de Matos ficou convencido com os meus argumentos e o projecto arrancou. Numa época ainda sem internet e em que poucos tinham computador, o meu primeiro guia – Vinhos de Portugal 1995 – foi arrancado a ferros, resultado de muitas provas acumuladas, quer aqui quer na Vinexpo, a grande montra mundial de vinhos que tinha lugar em Bordéus. Os primeiros anos foram de crescimento exponencial em termos de tiragem. Atingiram-se números hoje totalmente impensáveis, quando, tendo saído em Setembro, um ano houve que, em Novembro, já tinham voado 10 000 exemplares e, com tiragens especiais para empresas, chegámos aos 23 000 exemplares. Era a época em que, apesar do trabalho quase desumano que obrigava a dezenas de de provas diárias durante 3 meses (incluindo-se aqui os generosos), o esforço era compensado.
Mas tudo mudou, o guia não parava de crescer em número de páginas e de vinhos provados e os consumidores começaram a ter outras fontes de informação, provavelmente menos isentas mas de mais fácil acesso. E, como sempre acontece nestes temas, todos viramos especialistas de um dia para o outro. A aventura pioneira da Dom Quixote nestes temas será sempre aplaudida porque criou um novo público que, também assim, se tornou mais exigente com a informação que lhe chegava. Passou a ser informação básica saber com que uvas se fez o vinho, que tipo de solos e a idade da vinha, quem é o enólogo, em que barricas estagiou e por quanto tempo, e por aí fora. Naturalmente surgiram também os excessos na rotulagem, os exageros informativos e as sugestões de consumo mais inusitadas. A mais recente e insólita informação que vi escrita num rótulo é que o vinho tinha sido feito “sem electricidade”! Excêntrico? Talvez, mas acho que ainda veremos mais, uma vez que a imaginação criativa dos produtores não tem limites. E os contra-rótulos têm sido local escolhido para as mais extravagantes prosas que exigem de nós, consumidores, alguma bonomia.
Entretanto, terminado que está o Concurso Mundial de Bruxelas que este ano regressou à China (cidade e Yinchuan) e que juntou 375 provadores para dissecarem 7 165 amostras provenientes de 49 países diferentes, está já anunciado que a próxima edição terá lugar na Arménia. A região chinesa onde decorreu o certame é o centro da produção vinícola do país, contando já com 18 000 ha de vinhedos. Apesar da enorme produção, os chineses têm de solucionar uma questão básica: o vinho liga mal com a gastronomia mais vulgar no país. A “sopa de fitas”, nome ainda hoje visível à porta de muitos restaurantes de Macau, não pede vinho. Pelo menos, entre nós, a questão está resolvida há séculos: a nossa gastronomia pede, pois claro!
Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)
Scylla Reserva branco 2024
Região: Douro
Produtor: Scylla Wines
Castas: Viosinho, Gouveio e Rabigato
Enologia: Jean-Hugues Gros
PVP: €14,50
Projecto a dois entre o enólogo e Gil Regueiro. Cerca de 30% do vinho estagiou em cascos novos de 500 litros. Fizeram-se 10 000 garrafas. Encontra-se em garrafeiras e restauração.
Dica: muito equilibrado, servido por acidez vibrante, resulta na perfeição como companheiro de Verão.
Quinta do Monte d’Oiro Petit Verdot tinto 2022
Região: Lisboa
Produtor: José Bento dos Santos
Casta: Petit Verdot
Enologia: Grégory Viennois & Graça Gonçalves
PVP: €30
A quinta proporciona várias exposições, dominando aqui os solos argilo-calcários. Após fermentação em cuba o vinho estagia 18 meses em casco. A casta está presente nas vinhas de Bordéus, ainda que em percentagem diminuta.
Dica: muita vivacidade aromática, com notas verdes que conferem muita frescura. Um tinto de boa vibração que requer uma temperatura de serviço na casa dos 14º.
Porto Quinta do Estanho LBV 2020
Região: Douro
Produtor: Quinta do Estanho
Castas: várias
Enologia: Luis Leocádio
PVP: €18
Vinhas no vale do rio Pinhão. A fermentação decorreu em inox durante cinco dias e, posteriormente, o estágio foi feito em balseiros. Foi engarrafado em 2025. Cerca de 8 500 garrafas produzidas.
Dica: escuro na cor, notas de fruta vermelha e negra, com grande frescura. Muito texturado na boca, cheio e com grande potencial de vida em cave. Mas pode (e deve…) começar agora a bebê-lo.
This Post Has 0 Comments