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Vinho tinto a €1,40?

É possível, sim!

Nas redes sociais surgiram recentemente um rol de comentários a propósito de haver um vinho tinto no Mercadona com o preço de €1,40, da Adega Coop. São Mamede da Ventosa (Torres Vedras). O enólogo responsável, António Ventura, confirmou que, ao contrário do que se pode pensar, a adega não vende barato por não pagar as uvas aos associados; esta adega é das que mais tintos vinifica em termos nacionais, não tem passivo, tem todas as contas acertadas com os produtores e paga as uvas tintas um pouco acima de €0,30/kg. O vinho em causa é exclusivo daquele supermercado, mas a prática é habitual em todas as cadeias e, por exemplo, o Aldi tem um tinto de Setúbal a €1,60 e o Lidl tem várias marcas a €1,69. Logo surgiram imensos comentários, feitos por quem “acha” imensas coisas, mesmo desconhecendo o assunto. A pergunta que se pode fazer é: a este preço ganha-se alguma coisa, ou apenas se consegue escoar stock?

A resposta é: pode ganhar-se, sim, mas cêntimos por garrafa! E para chegar lá podemos fazer várias contas, em jeito do que se faz na restauração com o food cost, ou seja, medir ao grama e ao litro, quanto custa cada produto que se vende. Vamos a isso, sempre apontando para os custos mais baixos: partimos de €0,35 por quilo de uva, acrescenta-se 0,23 de custo da garrafa, €0,04 da rolha, €0,08 do rótulo e cápsula, €0,05 da caixa de cartão. Depois o transporte em paletes de caixas poderá onerar €0,05 por garrafa. A estes custos associam-se os outros (esses muito variáveis): rendas, amortizações, custos de funcionamento, salários, citando aqui só os mais óbvios. Como se costuma dizer, é só fazer as contas! Voltemos ao tinto de €1,40: vender a este preço pode decorrer (como é o caso) de uma viticultura altamente mecanizada, uma produtividade muito elevada das vinhas, que pode, sobretudo à custa da casta Caladoc, chegar às 20 toneladas e mesmo mais por hectare, o que faz diminuir tremendamente o wine cost por unidade. Vender a este preço pode servir também para escoar stocks; sabemos que em várias regiões, sobretudo no sul do país, há duas ou mais colheitas “em casa” à espera de encontrar comprador e esse é seguramente um factor que pesa na decisão do “é preferível vender barato do que ficar com o vinho “encostado”, sobretudo quando o preço para a venda do stock a granel não é competitivo. Esta é a adega que mais tintos vinifica, por oposição, para falarmos de regiões próximas e na mesma ordem de grandeza, à de Almeirim onde, dos 22 milhões de quilos recebidos em 2024, os brancos correspondem a 19 milhões. Mas este não é, sequer, o único exemplo, uma vez que no folheto do Lidl aparece um vinho do Alentejo a €1,27!

A um produtor com uma pequena área de vinha, ou a regiões, como o Douro, com custos enormes associados com a produção de uva, estes números podem fazer muita confusão. Mas, diga-se, faz muito mais confusão no Douro do que em Lisboa, Tejo ou Setúbal onde os custos não têm comparação possível. Fica então por responder à última questão: um vinho desta gama presta para alguma coisa ou ficamos doentes e com azia? Um enólogo a quem pus a pergunta, respondeu: a um vinho desta gama apenas se pede que não tenha defeitos; se tem fruta ou não tem, se tem mais ou menos taninos, isso não interessa nada. E nem se julgue que aqui se juntam aromas e sabores para tornar o vinho mais apetecível. Nem pensar, respondeu o enólogo, isso é tudo muito caro. Aqui a regra é: não tem defeito, siga! Há uvas para tudo e chegam para todos, por isso a um vinho de €1,40 só se pede que não nos dê dores de cabeça! E fica-nos na memória? Provavelmente, porque ficámos com mais dinheiro no bolso, não porque ficámos apaixonados…

Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)

Almanua branco 2024
Região: Vinho Verde
Produtor: Vinevinu
Castas: Alvarinho, Arinto e Maria Gomes (Fernão Pires)
Enologia: Manuel e Luís Cerdeira
PVP: €12
Vinha em Famalicão, arrendada à Casa de Compostela, com forte influência marítima. Fermentação em inox e parte também em madeira. 50 000 garrafas nesta 1ª edição.
Dica: exuberante na fruta citrina, é um branco de Verão, muito equilibrado e óptima acidez. Perfeito para marisco e saladas frias.

Casa de Santar Oito Parcelas tinto 2012
Região: Dão
Produtor: Soc. Agr. de Santar
Castas: seis castas espalhadas em 8 parcelas, incluindo as menos habituais Alicante Bouschet e Tinto Cão.
Enologia: Paulo Prior (actual)
PVP: €75
Este é um tinto icónico na empresa, já leva quase 13 anos de vida mas continua em boa forma. Foram produzidas 6 518 garrafas.
Dica: rico, complexo, ainda um pouco fechado (bom sinal…), com uma prova de boca macia, de textura aveludada. Merece copos largos e ser servido a 15º.

Trincadeira Vinha de São Miguel tinto 2023
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Casa Relvas
Casta: Trincadeira
Enologia: Nuno Franco
PVP: €12,50
12 500 garrafas produzidas. A Trincadeira é um dos pilares dos tintos da região, frequentemente usada em lote com outras, com a Aragonez. Estágio em tonel para não haver “marca” da madeira.
Dica: muito vivo e fresco na fruta, elegante e com intenso carácter gastronómico. Um tinto para socializar, já que todos vão gostar.

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