Para gostos diferentes, há de tudo Os três vinhos sugeridos hoje são do Alentejo. Houve…

Hard rock e heavy wine?
Reis do palco e rainhas da vinha
Quem acompanhou a evolução do hard rock do final dos anos 60 em diante, recorda (com saudade para quem for apreciador) nomes como The Who, Led Zepplin, Deep Purple ou Cream. Em três destas quatro bandas os baixistas eram personagens discretas, desde o seráfico John Entwistle (The Who) ao quase incógnito Roger Glover (Deep Purple) e o discreto John Paul Jones (Led Zepplin), ofuscados pela presença estridente e cenográfica de outros membros que se tornaram estrelas reconhecidas por todos.
O caso de Jack Bruce (Cream) é um pouco diferente porque ele também era vocalista de serviço da banda. O que ninguém duvida é da importância da guitarra-baixo para que se conservasse o ritmo e a cadência, permitindo aos solistas (voz ou guitarra) as loucuras que todos recordamos. Por estranho que pareça, nos vinhos vamos encontrar situações em que o paralelismo é possível. Porquê? Porque há castas solistas que são verdadeiras primas-donas, que tomam toda a atenção dos consumidores e que deixam pouco espaço para as outras que as acompanham nos lotes. Exemplos há muitos e recordo um lote que em tempos era muito habitual na zona de Monção e Melgaço: Alvarinho e Trajadura. Mas alguém se lembra da Trajadura? Alguém, por cá, a deixou brilhar, um pouco como fizeram nas Rias Baixas? Ela quedou-se, discreta, a acompanhar a “princesa” Alvarinho que, essa sim, recolhia adeptos e o seu nome já impunha respeito. Hoje está aqui na selecção da semana.
Noutras regiões, as castas, digamos, nobres, também não deixaram muito espaço para as acompanhantes. Em Bucelas, a Arinto (qual Jimmy Page…) nunca ligou nenhuma à sua companheira Rabo de Ovelha que durante anos e anos foi usada para compor a acidez descontrolada da Arinto. A que é que cheira a Rabo de Ovelha? Que méritos tem? De que peripécias seria capaz se a deixassem brilhar (como uma boa guitarra ou uma boa partitura…)? Os lotes têm destas coisas. Por vezes são duetos que se fundem bem (termo muito usado quando se trata de vozes) e a noção de “estrela” dilui-se um pouco, como é o caso alentejano da parceria Antão Vaz e Arinto, duas variedades que parecem ter nascido uma para a outra; outras vezes são quartetos em que, de vez em quando, há uns solos de uma das castas, mas a harmonia de conjunto é que faz a fama do grupo. Estamos aqui a pensar nas quatro variedades emblemáticas que fazem a fama do Dão: é verdade que a Jaen é a mais plantada, mas também é verdade que a Touriga Nacional se dá bem à boca do palco e com frequência assume a liderança. A Roriz e a Alfrocheiro ajudam ao equilíbrio geral, quase a lembrar bandas que brilharam mais pelo conjunto do que pelo facto do solista partir guitarras ou arrancar os cabelos em palco: eram assim tantos e tantos grupos como Buffalo Springfield ou The Birds. Mais uma vez ninguém recorda Bruce Palmer e
Chris Hillman, ambos baixistas de serviço nas duas bandas.
A nossa tradição sempre foi a de fazer vinhos compostos por várias castas, com os lotes a serem frequentemente feitos na própria vinha. Não havia noção de solista, a qualidade era apreciada pelo todo. E a nossa “vantagem” actual é que conseguimos descobrir méritos em variedades que outrora eram remetidas para a gaveta das indiferenciadas, como Moreto (também presente hoje nas escolhas), Marufo e tantas outras, actualmente em fase de renascimento, quer no Douro quer noutras regiões. Está na hora dos baixistas se revoltarem.
Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)
Abegoaria dos Frades tinto 2022
Região: Alentejo – Granja-Amareleja
Produtor: Abegoaria Wines
Casta: Moreto
Enologia: António Braga
PVP: €19,90
Aberto na cor, aroma de forte pendor vegetal, com o tom rústico e tradicional que esta variedade sempre confere. Casta emblemática desta zona.
Dica: ligeiro no corpo, firme nos taninos, um tinto muitíssimo gastronómico e que pode durar uns anos em cave.
Ronfe branco 2023
Região: Vinhos Verdes
Produtor: Nicolau de Almeida
Casta: Trajadura
Enologia: equipa da Nicolau de Almeida
PVP: €16,50
Vinhas de família em Lousada, compradas em 1919 pelo antepassado José Rosas, ourives. A garrafa ostenta o rótulo idêntico ao que tinha em 1935.
Dica: varietal de Trajadura. Jovem e fresco no aroma, com uma acidez moderada que lhe confere boa capacidade para a mesa. Um Verde que aposta no equilíbrio.
Casa Cadaval Trincadeira Preta tinto 2022
Região: DOC do Tejo
Produtor: Casa Cadaval
Casta: Trincadeira Preta
Enologia: Pedro Sereno
PVP: €16
Terá nascido aqui, nos anos 90, o primeiro varietal desta casta, então pela mão de João Portugal Ramos. A enorme propriedade (5000 ha) também tem regadio, cortiça e criação de cavalos. Há ligações familiares à Alemanha.
Dica: mais elegante que outrora, boa fruta vermelha, leves notas de pimentão. Óptimo para a mesa.
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