Pelas cepas mas também pelas bichas Janeiro é suposto ser uma época de clima frio,…

Oliveiras e Madeiras
Nomes de famílias, vinhos de sonho
A história do Vinho da Madeira, antiga como é, está repleta de estórias, picardias, verdades e fantasias. Como não vou escrever um livro sobre o assunto, fico-me por algumas curiosidades. A produção começou pouco depois da colonização (provavelmente vinho tranquilo) mas há referências ao uso de aguardente desde meados do séc. XVIII. A ilha esteve sujeita às mesmas tragédias fúngicas do continente, como oídio e míldio e, posteriormente, a filoxera. Para a combater introduziram-se cepas americanas que serviriam de porta-enxerto. Como era fácil o cultivo houve muito boa gente que não lhes enxertou as castas nobres e assim castas como Isabella ou Jacquet acabaram por proliferar na ilha.
Estima-se que há um século, a quantidade de cepas de produtor directo – introduzidas após a filoxera – originassem 80% do vinho produzido na ilha; também a sidra aguardentada, à época da segunda grande guerra, terá integrado o vinho. Actualmente a casta mais plantada na ilha é a Tinta Negra, ao lado das clássicas aqui referidas, da Malvasia e da Terrantez. Apesar da demarcação ter sido feita em 1908, foi com a criação do Inst. Vinho e Bordados da Madeira (1979) que o controle ficou mais efectivo; tirou-se partido das conta-correntes anteriores para se certificarem vinhos antigos, agora com selo de garantia. Só com as regras proibitivas da Comunidade Europeia (1990) se acabou com a aldrabice das castas enunciadas nos rótulos, que seriam mais o “estilo” em termos de doçura do que propriamente a casta indicada. Fica o aviso: quem compra vinhos antigos da Madeira sem selo, tem de saber que está a correr um risco: tanto podem ser vinhos fabulosos como podem falsos madeiras.
Um dos principais operadores (ainda familiar) é a firma Pereira d’Oliveira, actualmente gerida pela 5ª e 6ª geração. Não têm vinhas próprias e recebem uvas de 70/80 viticultores. Nas instalações do centro do Funchal, num edifício do séc. XVII, recebem-se diariamente turistas que provam e adquirem vinhos e alguns, mais avisados, compram aquele que é para mim (de longe…) o melhor bolo de mel da Madeira e a ligação com um Boal Frasqueira é antológica. Como aconteceu ao longo da história, também a D’Oliveiras absorveu várias empresas, sendo a mais recente a Artur Barros e Sousa (que ficava na porta ao lado e foi adquirida em 2013), com instalações agora renovadas mas onde houve o cuidado de preservar o “espírito do lugar”. A colecção de vinhos antigos D’Oliveiras é de cortar a respiração e estão quase todos à venda na loja; se se sentir inspirado, pode sempre comprar o mais antigo disponível – Verdelho 1850 a €1900 – ou um Terrantez 1880 a €1780, entre dezenas de outros. O mínimo que se pode dizer é que são preços singelos, atendendo à idade. Ofensivos são os preços que uns quantos atrevidos, na melhor tradição da chico-espertice nacional, colocam no mercado os seus vinhos tranquilos, banais, sem história e sem passado mas caríssimos.
Hoje o negócio do Madeira está em queda: menos área de vinha, já referida em anterior crónica, menos operadores – no período da 2ª Guerra havia 60 empresas registadas como negociantes, em 1973 eram 23, hoje são apenas 8. Acresce a este quadro a quebra brutal na produção (este ano apenas 3 milhões de litros). Relembremos a regra actual para os vinhos de topo: vinhos com indicação de casta e ano podem indicar (no rótulo) a palavra Colheita (com 5 anos de estágio em madeira), ou 20 anos de casco e 2 de garrafa, com indicação do ano e casta, conhecidos por frasqueira. Há também vinhos com indicação de idade e de casta – 10 anos, 20, 30, etc. Da fabulosa colecção provada na firma D’Oliveiras, destaco 4 a que atribuí a classificação máxima de 20 valores: Boal 1908, Malvasia Cândida 1910, Sercial 1910 e Moscatel Graúdo 1900. E, usando termos futebolísticos, ainda provei Boal 2001 (18,5) e Sercial 1990 (18,5), todos a bater na trave…
Sugestões da semana:
(Todos são Vinho da Madeira e todos do mesmo produtor, Pereira de Oliveira. Em todos eles a enologia está a cargo de Filipe Oliveira (6ª geração da família. A casta vem indicada logo no nome do vinho.).
Madeira D’Oliveiras Verdelho 1994
PVP: €132
Esta variedade, que das castas nobres é a que tem mais expressão em termos de área de vinha, gera vinhos meio-secos e é também usada nos vinhos tranquilos que agora também existem na Madeira.
Dica: delicado no aroma, com frutos secos, notas licoradas e ligeira salinidade. Claramente meio seco. Muito potencial para ir além de vinho de sobremesa. Assim se saiba fazer o pairing.
Madeira D’Oliveiras Sercial 1969
PVP: €310
São os vinhos mais secos da Madeira, ainda que possam chegar a cerca de 40 gr/açúcar litro. Carregado na cor, denso e sério.
Dica: para provar a dedal, preferencialmente sem qualquer acompanhamento. Madeiras exóticas, notas salgadas, iodadas, untuoso e glicerinado. Final muito longo. Classe pura.
Madeira D’Oliveiras Boal 1980
PVP: €245
Com esta casta fazem-se vinhos meio-doces, muito polivalentes para acompanhar sobremesas. Aromas de ceras e vernizes, caramelizado com finura de fruta em calda.
Dica: salgado, complexo, cheio de pequenas nuances onde cabe quase tudo, dos licores aos frutos secos. Perfeito para o bolo de mel. Como diriam os ingleses: Oh my God!
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