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Modas traiçoeiras

O fascínio da 3ª quinta-feira de novembro pode estar em queda

É assim há décadas: na quinta-feira mágica é lançado em todo o mundo, em simultâneo, o Beaujolais Nouveau. Conta-se mesmo que chegou a ser transportado no célebre avião Concorde para, em Nova Iorque cumprir a data e ser aberto ao mesmo tempo em todo o lado. O vinho é tinto, ainda que mais do lado do refresco, e tem origem na região que lhe dá nome, um pouco a norte de Lyon. Ali, em cerca de 20 000 ha (a área tem tido variações) e mais de 2500 produtores, planta-se sobretudo a casta Gamay.

O método de produção (maceração carbónica) leva a que o vinho surja com pouca cor, leve no corpo, sem taninos complicados e com a frescura que a tenra idade lhe confere. Até aqui não descortinamos nada de tão especial assim. A região soube promover-se e, para isso, muito se esforçou Georges Duboeuf (falecido em 2020), conhecido como o Papa ou o Rei do Beaujolais, em virtude do esforço de uma vida para impor um tipo de vinho que contrariava tudo o que era moda desde os anos 80. De facto, com os tintos a partir dessa década a serem sujeitos à ditadura do gosto de Robert Parker, que privilegiava a estrutura, muita maceração, o álcool elevado e a madeira nova, estes vinhos abertos faziam figura de vinhos/refresco, que se bebiam frescos e que não se levavam muito a sério. O Beaujolais, acabadinho de sair da cuba, prontinho dois meses depois da colheita, era uma tentação. Por isso não havia bistrot que não colocasse à porta – na data mítica da 3ª quinta-feira de Novembro -, um grande cartaz onde se lia “Le Beaujolais Nouveau est arrivé!” O fascínio do vinho, creio, era exactamente o contrariar tudo o que na altura era tido como um grande tinto.

Com o Nouveau não era preciso cheirar com ar sério e intelectual, bastava beber em alegre convívio com amigos. E de Novembro ao fim de Dezembro voavam muitos milhões de garrafas. Um achado em termos de marketing. Mas mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e o grande Camões estava a adivinhar que a moda Parker não ia durar sempre. Ora o que aconteceu foi que a agulha se virou no sentido oposto e, aquilo que era tido como vinho menor, passou a ser o vinho preferido da nova geração. Dito por outras palavras, os vinhos tintos não passaram todos a ser feitos pelo método da maceração carbónica mas, como se imagina, a enologia sabe como fazer um tinto aberto de cor, com pouco álcool, sem madeira e com taninos finos. Hoje, este novo modelo de tinto existe em todos os países e, entre nós, em todas as regiões. Já aqui se falou deles várias vezes, nem sempre pelas melhores razões porque, seguindo o espírito que preside à nova enologia – fazer com que um vinho seja a expressão do terroir onde nasce – é bom que se perceba que um vinho sem cor, sem álcool, ligeiro e sem alma, não expressa coisa nenhuma e tanto pode ter origem aqui como na China.

Voltando ao nosso Beaujolais (aqui o teremos na próxima semana), que está agora rodeado de tintos que lhe copiaram o perfil, não há só o Nouveau; a imensa região criou mesmo, em 10 sub-regiões, os chamados Crus de Beaujolais, como Fleurie, Juliénas, Chenas, Morgon, só para citar algumas. Nestes, a casta Gamay brilha mais alto e as diferenças têm muito a ver com solos, exposições e altitudes diferentes. Terroir, dito por outras palavras. Por cá o modelo da maceração carbónica chegou a ser tentado por vários produtores mas sem grande êxito. Já quanto aos vinhos abertos, fáceis, para beber mais frescos e que são muito gastronómicos, como diz o povo, “é fartar, vilanagem!” .

Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)

Monte Xisto tinto 2022
Região: Douro
Produtor: Nicolau de Almeida & Filhos
Castas: Touriga Nacional, Touriga Francesa e Sousão
Enologia: família Nicolau de Almeida
PVP: €75
A marca começou em 2011, com 3 000 garrafas, hoje faz entre 8 e 10 000. Vinha em Foz Côa. Mais recentemente plantaram Rabigato, Tinta Francisca e Tinto Cão. O estágio é actualmente feito em foudres de 2000 litros cada.
Dica: desde a criação a marca apresenta uma grande consistência de qualidade e estilo (provadas todas as colheitas recentemente), sempre num registo denso e cheio mas com intencional frescura ácida. Afinado e polido, um grande tinto do Douro.

Quinta do Quetzal Arte Selection tinto 2021
Região: Alentejo (Vidigueira)
Produtor: Quinta do Quetzal
Castas: Alicante Bouschet, Alfrocheiro e Syrah
Enologia: José Portela
PVP: €17
Proprietário suíço de há muito ligado ao vinho em Portugal. Tem 52 ha de vinha e as parcelas mais velhas têm 60 anos. Este tinto teve estágio em barricas usadas.
Dica: aberto na cor, fácil na abordagem porque aposta na frescura da fruta, nos taninos macios e na elevada aptidão gastronómica. Muito consensual.

Quinta do Monte d’Oiro Reserva branco 2022
Região: Lisboa
Produtor: José Bento dos Santos
Casta: Viognier
Enologia: Graça Gonçalves
PVP: €25
Fermenta (70%) em barrica, metade nova, e aí estagia. O restante fica no inox. Produzem-se cerca de 4 000 garrafas (com variações anuais). Vinha com 25 anos. Produção em modo bio.
Dica: casta controversa a que aqui se soube “dar a volta”, conseguindo-se um perfeito balanço entre estrutura e acidez. Mostra muita capacidade para evoluir bem em garrafa.

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