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Ousar plantar e esperar para ver

As castas têm uma interminável interpretação

Quando eu era jovem, existia um grupo político de inspiração trotskista cuja palavra de ordem era: ousar lutar, ousar vencer! Por brincadeira chamávamos-lhes os “ousados”. Também na vinha e no actual mundo do vinho, que não se compadece com brincadeiras, existe um grupo dos “ousados” que procuram furar o esquema infernal dos “vinhecos” baratos, correctos mas sem graça e sem alma, a que só uma caixinha de temperos, aromas, taninos e sabores, pode tornar bebíveis. O povão (que adora vangloriar-se que comprou um vinho a menos de €1,50) e que fica a tremer de contente só de pensar que vai beber um Pias, é isso que quer beber, barato, baratinho e, se possível, com 70% de desconto. Em tudo se acredita, haja paciência!

Mas há também quem ouse. Por mera coincidência, dois vinhos da selecção de hoje incluem a casta Galego Dourado. Desde sempre “colada” à região de Carcavelos onde é co-responsável pelos generosos que ali se produzem, a casta foi depois ensaiada noutras regiões, como Setúbal, e Alentejo (Adega Mayor), sempre a mostrar-se muito difícil de domar, a exigir muito acompanhamento na vinha para que se possa tirar bom proveito dela. Apesar do nome, nada tem a ver com a Galiza. Em Carcavelos – região em franca recuperação após décadas com morte anunciada – a Galego Dourado dialoga com a casta Ratinho, na zona de Lisboa também conhecida por Boal Ratinho. Surpresa poderá ser o facto de também castas tintas como Trincadeira e Castelão poderem ser usadas no generoso. A gama actual dos vinhos de Carcavelos é notável (com preços muito variados) e já criou mesmo os seus ícones, a preço de luxo – Villa Oeiras Bugio 1924 Pharaoes (€250), que merecem ser conhecidos. No Alentejo, para quem ousou, a galega parece estar a dar-se bem, com resultados positivos.

No caso do Quinta do Ataíde, estamos a falar de um Touriga Nacional com muita história; de facto, foi naquele vale do Douro que a Cockburn’s plantou, nos anos 80, uma vinha de Touriga Nacional, na altura uma enorme ousadia, uma vez que a casta era muito desconsiderada e pouco usada no Douro. Dizem-nos os Symington que em 1995/96 teriam, no máximo, uns 5 ou 6 ha de Touriga Nacional. Foi à Vilariça que todos foram buscar garfos para o plantio noutras zonas, primeiro no Douro e, depois, a expansão foi por todo o país. Este Ataíde mantém-se assim fiel à casta que deu fama àquele vale e que hoje é uma das traves-mestras dos tintos do Douro. É que, se fizermos um balanço dos mais consagrados tintos do Douro, dificilmente encontraremos um que não a incorpore. E há mesmo muitos que apenas contemplam duas castas, a Nacional e a Franca (esta entretanto voltou à sua grafia original de Touriga Francesa) e isso mostra até que ponto, mesmo para os vinhos do Porto, a Touriga Nacional se tornou uma variedade indispensável. Deixou de ser a casta “mais plantada nos contra-rótulos” como ironicamente se dizia ainda nos anos 90 para ser, realmente, das mais plantadas na região. O mundo vai mudando e as castas também e, mais um exemplo do Douro, há variedades a terem cada vez mais aceitação quando outrora apenas apareciam, aqui e ali, nas vinhas velhas.

É o caso da Alicante Bouschet, em franca progressão de área de vinha. E outras estão em marcha progressiva, como a Sousão, Tinta Francisca, Tinta da Barca ou Rabigato. Ousar plantar é o mote mas saber acompanhar as castas é fundamental, seja em convencional, seja em bio. De outra forma elas mandam-nos dar uma volta…

Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)

Adega Monte Branco branco 2021
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Luís Louro
Castas: Arinto, Rabigato, Esgana Cão e Galego Dourado
Enologia: Luís Louro/Inês Capão
PVP: €42
Esta é a 2ª edição deste topo de gama do produtor. O mosto fermentou em barrica usada e estagiou na madeira por 10 meses. Foram produzidas 2400 garrafas.
Dica: muito rico de aromas citrinos e de acidez espantosa, um branco de raro equilíbrio sem presença excessiva da madeira. Muito bem conseguido.

Quinta do Ataíde Vinha do Arco tinto 2016
Região: Douro
Produtor: Symington Family Estates
Casta: Touriga Nacional
Enologia: Charles Symington/Pedro Correia
PVP: €25
Produzido em modo bio no vale da Vilariça, no Douro Superior. A quinta, com as parcelas anexas entretanto adquiridas, tem 112,4 hectares de vinha. Ainda disponível no mercado.
Dica: moderado na concentração, fino de aromas e muito elegante, um tinto que dá muito prazer a beber.

Villa Oeiras Colheita 2014
Região: Carcavelos
Produtor: Município de Oeiras
Castas: Arinto, Galego Dourado e Ratinho
Enologia: Pedro Sá
PVP: €70
A fermentação é interrompida com adição de aguardente vínica a 77º (da Lourinhã). Teve estágio em cascos de carvalho.
Dica: um grande generoso, de média doçura, original e sem semelhanças com outros, prima pela delicadeza e pela imensa capacidade de brilhar à sobremesa.

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