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Periquita desde 1880

Da serra para as areias

Há pouco mais de uma semana realizou-se em Azeitão uma prova histórica do tinto da marca Periquita, abrangendo 13 colheitas. A razão foi dupla: comemorar os 190 anos da empresa e a despedida de Domingos Soares Franco (DSF) das “lides” enológicas da José Maria da Fonseca, empresa familiar hoje gerida pela 7ª geração. Nas palavras do próprio, não serão muitas mais as vezes que provas destas terão lugar porque a quantidade de garrafas na colecção da casa está a atingir o limite mínimo e por isso não haverá material disponível para mostrar.

A prova foi, naturalmente, de vinhos da marca Periquita. Dela existem referências desde 1850 e uma garrafa rotulada de 1880, numa época em que os vinhos não generosos engarrafados se deveriam contar pelos dedos. É também, creio, a marca mais antiga do mercado. Só se voltou a ter notícia do vinho em 1937, desconhecendo-se se durante esse longo hiato foi comercializada. Desde sempre associada à casta Castelão que hoje sabemos resultar de um cruzamento de Alfrocheiro e Sarigo, esta uma variedade também presente em Espanha mas com provável origem na Turquia. Actualmente, na colheita mais recente a marca incorpora Castelão (47%), Trincadeira (39%) e Alicante Bouschet. Há algumas constantes gráficas na imagem das garrafas, como se pode ver na imagem que ilustra esta crónica. A garrafa mais antiga em prova era de 1940 e a mais recente de 2022. Como seria feito em 1940? Poderemos avançar algumas ideias: uvas pisadas a pé em lagar, provavelmente com a totalidade do engaço e, na eventual falta de alguma acidez, uso e abuso de ácido tartárico para compor o lote; estágio em tonel de grandes dimensões. Depois era preciso esperar uns bons anos para que o vinho fosse bebível. Mas que não fiquem muitas dúvidas: era por ser feita desta forma, digamos, primitiva, que o vinho chegou até hoje em tão boa forma, sendo um dos dois melhores vinhos da prova, ao lado do 1959. Nos anos 60 e 70 os vinhos tiveram a assinatura de Manuel Vieira, enólogo, também responsável, entre outros, pelos vinhos José de Sousa Rosado Fernandes. Nessa época os melhores vinhos tinham origem nos argilo-calcários da serra da Arrábida (menos álcool, mais acidez e mais finura), quando hoje, em larga maioria, nascem nas areias de Palmela, que gera vinhos com mais concentração, mais volume e mais álcool.

O crescimento dos vinhos das areias foi, segundo DSF, fenómeno que se verificou a partir dos anos 60 do século passado. Actualmente a casta Castelão ocupará um pouco mais de 3000 ha de vinhas, dos 5050 ha que existem na região com uvas tintas. A omnipresença de outrora foi substituída por uma grande diversidade de castas que estão hoje presentes na região de Setúbal. Essa substituição ficou a dever-se, creio, ao facto das novas variedades serem de atracção imediata e a Castelão ser uma variedade a que falta alguma exuberância de aromas. Tem a enorme virtude de se conservar, durante uns bons 10 a 15 anos, num patamar de boa qualidade, parecendo que o tempo não perturba o vinho, o que dá muitas garantias ao consumidor.

A casta Castelão revela muita plasticidade, permitindo fazer desde vinhos tintos abertos e capazes de prova enquanto jovens, até vinhos muito estruturados, densos, aguentando bem a pisa em lagar, a madeira nova e serem pensados para o longo termo. Actualmente a marca abrange, no portefólio da empresa, uma grande diversidade de estilos, do branco ao rosé, vinhos Reserva, Clássico e Superior. Na entrada de gama da marca, estamos a falar de um tinto que ronda o preço de €5 mas que pode chegar, com bom perfil e muito boa relação qualidade/preço), no Periquita Superyor, aos €40. Há vinhos que são âncoras para o consumidor. O Periquita é um deles.

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