Pelas cepas mas também pelas bichas Janeiro é suposto ser uma época de clima frio,…

Tudo em família?
Nem sempre as coisas correm bem
Nos filmes da Mafia, sobretudo nas versões americanas da Cosa Nostra, a família surge sempre como uma espinha dorsal que une os vários membros e tudo se desenrola em torno deste núcleo central. É verdade que a proliferação de armamento distribuído pelos vários membros ajuda a que a unidade seja mais fácil de alcançar. Nos vinhos, provavelmente por falta de munições, as coisas são mais complicadas. São muitas as empresas com marcas conhecidas no mercado que, a certo momento da sua história, se defrontam com o problema da sucessão. Quem vai herdar, como se divide a participação na empresa por cada um, como se assegura que este legado não morra? O assunto é complicadíssimo e enquanto alguns têm um modelo já bem estabelecido (como os Symington), outros, por várias razões, resolveram vender o projecto (inúmeros casos no Douro mas também noutras zonas) e muitos outros, descapitalizados, vêem-se na obrigação de vender as quintas, as marcas, os stocks. Muitos destes negócios nem chegam ao conhecimento dos consumidores. Um dia, em visita a uma das quintas da Fladgate, no vale do Pinhão, percebemos isto claramente. Ouvimos: ali ficava uma quinta que também nos vendia uvas e acabámos de adquirir, mais além houve um pequeno lavrador que nos veio propor a compra da parcela, mais à frente, a família desentendeu-se e fizemos uma proposta, que aceitaram. Não cremos que alguém tenha acordado de manhã com uma cabeça de cavalo debaixo dos lençóis (aqui, para leitores brasileiros, tenho de recordar que me refiro ao filme “O Poderoso Chefão”) e não chegou a haver troca de tiros com shotguns escondidas em caixas de violino.
O assunto pode ser dramático porque, numa época de quebra de natalidade em que as famílias têm um ou dois filhos, o desentendimento é muito mais fácil de acontecer e projectos que têm por vezes mais de um século de existência vêem-se na contingência de encerrar. Nos últimos 20 anos a concentração de propriedades em mãos de grandes grupos tem decorrido a uma velocidade assustadora, não só no Douro mas um pouco por todo o país; não há só Symingtons, Melos, Soares Francos e Amorins por toda a parte, há outros, e os pequenos projectos correm sérios riscos. Acho que falarei por todos se disser que o apreço que temos pelas aventuras familiares nos vinhos é sincero. No entanto, depois de esmiuçar o projecto, com que nos deparamos? Estratégia de marketing não há, distribuição está difícil, mercados externos estamos a pensar nisso e já temos alguns contactos, publicidade não temos dinheiro para tanto, alguns membros da família têm receio dos investimentos, o mercado para vinhos caros está apertado, etc, etc. É assim que algumas garrafeiras são, no verdadeiro sentido da palavra, “assaltadas” por produtores que pedem por favor para colocar ali os vinhos à venda. E como muitos dos pequeníssimos produtores do Douro resolveram entrar também no negócio dos DOC Douro, a proliferação de marcas é brutal. Tudo ainda mais complicado em anos como este que, tudo leva a crer, será de uma produção excessiva, quando o que se pedia aos deuses era um ano fraco que permitisse escoar stocks. Este texto é desanimador para os pequenos produtores? Não era essa intenção, mas mal não viria o mundo se os projectos tivessem os pés bem assentes na terra. Neste momento não há espaço para projectos amadores. Infelizmente, mas…é a vida!
Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)
Ode Sémillon branco 2023
Região: DOC do Tejo
Produtor: ODE Winery
Casta: Sémillon
Enologia: Maria Vicente
PVP: €21
Este é um projecto novo – www.odewinery.com – em Vila Chã de Ourique, que se estabeleceu em 2022 numa propriedade outrora produtora de vinhos. Os novos proprietários são australianos e brasileiros. O portefólio inclui vinhos varietais e de lote, com castas nacionais e internacionais.
Dica: a casta é bem aromática, com boa estrutura de boca e com enorme aptidão gastronómica, sobretudo para peixes em salada russa ou bivalves.
Colecção Privada DSF Castelão tinto 2015
Região: Reg. Pen. Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Casta: Castelão
Enologia: equipa dirigida por Domingos Soares Franco
PVP: €15,90
Fizeram-se 8 000 garrafas. Engarrafado em Nov. 2021. Aplaude-se aqui a coragem de esperar 9 anos para colocar um vinho no mercado a este preço.
Dica: aberto na cor, macio e maduro no palato, um excelente exemplo do perfil de tinto que esta casta proporciona nesta região. Guloso e atractivo.
Vieira de Sousa Porto Colheita 2004
Região: Douro
Produtor: Vieira de Sousa
Castas: várias em vinha velha
Enologia: Luísa Vieira de Sousa
PVP: €38
Projecto familiar, com várias gerações dedicadas sobretudo ao Vinho do Porto. A empresa tem também vinhos DOC Douro, a quinta principal situa-se em Celeirós. Foram colocadas, para já, 2000 garrafas no mercado.
Dica: ainda cheio de frescura e elegância, encorpado, muitos frutos secos. Tudo de grande nível. Ligou especialmente bem com queijo da Ilha (9 meses cura).
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