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Guardar para não esquecer

E para entender melhor o que fazemos

Há cerca de seis anos, um dos châteaux mais conhecidos de Sauternes – Lafaurie-Peyraguey – organizou uma prova para comemorar os 400 anos de existência do château. Em si o facto é já memorável, uma vez que 4 séculos de vida é obra e isso merece todos os aplausos. A propriedade fica a sul de Bordéus e a região é responsável pela produção dos vinhos licorosos mais famosos de França. Estamos a falar de brancos feitos com Sauvignon Blanc e Muscadelle. Ali, no final do Verão, surgem condições óptimas (manhãs de nevoeiro e tardes soalheiras) para o aparecimento do fungo – botrytis cinerea – que origina a podridão nobre. Esta podridão desidrata os bagos, concentra aromas e acidez no vinho final, com os fungos a consumirem muito do sumo da uva e a gerarem produções baixíssimas. Na propriedade mais emblemática da região – o Château d’Yquem – a produção é ridiculamente baixa (uma cepa, um cálice!) e o vinho bate toda a concorrência com preços altos. Nos idos de 90, na minha primeira feira de Bordéus – VINEXPO – tive a sorte de estar presente num jantar precisamente em Lafaurie-Peyraguey e onde foi servido, à sobremesa e em magnum, um Sauternes dos anos 40! Uma delícia! O assunto vem a propósito da tal celebração dos 400 anos do château, em que se provaram 27 colheitas diferentes, de 1907 a 1945. Ao contrário de outras regiões e de outros tipos de vinho (como é o caso do Vinho do Porto), em Sauternes há colheitas todos os anos, assim a botrytis surja e faça o que é suposto. É assim “relativamente” mais fácil levar a cabo uma prova destas. As aspas do relativamente estão também relacionadas com as práticas que por cá são habituais e que não proporcionam provas assim. Infelizmente, e ainda que se sinta já no horizonte alguma mudança, a verdade é que os produtores portugueses – pequenos produtores, empresas e cooperativas – não têm tradição de conservar garrafas em cave para memória futura. Quando menos se espera deparamo-nos com a situação caricata que propor uma prova com alguns vinhos velhos e depois ouvir “ah e tal, nem sabemos onde isso estará, talvez haja aí umas caixas mas têm tanto pó e há tanto tempo que ninguém lhes mexe que nem sabemos o que lá está dentro”. Dado o tempo que levo neste assunto das provas, já conheci de tudo e, na maioria dos casos, o quadro com que deparamos é lamentável. A pressa de tudo vender, a febre de facturar e a pressão da folha Excel e do balancete, levam a que se perca a memória da casa. Não pode haver qualquer dúvida sobre o facto de serem estes vinhos velhos que podem justificar a grandeza e originalidade deste ou aquele terroir e que essa grandeza só se vê na longa duração, não no imediatismo das colheitas mais recentes. Já conheci também um caso excepcional (Herdade da Malhadinha) em que são reservadas cerca de 400 garrafas de cada colheita para memória futura. Dá trabalho? Talvez! É preciso espaço? Pois claro, mas não creio que sejam razões suficientes para que não haja a preocupação com o legado que deixamos às próximas gerações. E ainda que nem todos os tipos de vinho se prestem a longas guardas, é bom acreditar que as surpresas acontecem quando menos se espera, e em solos e com castas que não tínhamos em grande conta. Mas é essa também a virtude do vinho, carregado de memória e história. E, nota final, temos cá vários produtores a fazerem vinhos com botrytis.

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Barão do Hospital Reserva branco 2020
Região: Vinho Verde (Monção e Melgaço)
Produtor: Falua
Casta: Alvarinho
Enologia: Antonina Barbosa
PVP: €24
A propriedade foi cedida pela mãe de Afonso Henriques à Ordem do Hospital. O Barão foi um dos proprietários, no séc. XIX.
Dica: fermentado e estagiado em barrica. Há aqui uma perfeita integração da madeira no vinho e resulta com muita classe e nobreza. A provar com atenção.

Herdade da Amada tinto 2022
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Vinhamada
Castas: Grand Noir, Syrah, Castelão e Aragonez
Enologia: Bruno Pinto/Susana Esteban
PVP: €10,95
Vinha na zona de Elvas. Fizeram-se 12 000 garrafas. Fermentado e estagiado em inox e 6 meses na garrafa. No futuro próximo serão lançados três vinhos varietais.
Dica: grande frescura aromática, um tinto jovem, cheio de garra e intensamente gastronómico.

Quinta do Paral Superior tinto 2020
Região: Alentejo (Vidigueira)
Produtor: Herdade Tinto e Branco
Castas: Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional e Syrah
Enologia: Luis Morgado Leão
PVP: €19
A quinta, de 85 ha dos quais 56 ha de vinha, foi adquirida por Dieter Morszeck, empresário com negócios em vários países. Este tinto estagiou um ano em barrica.
Dica: combinam-se aqui notas de pimento verde e alguns florais da Touriga o que resulta muito bem, com frescura e prova de boca fácil com bons taninos.

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