Pelas cepas mas também pelas bichas Janeiro é suposto ser uma época de clima frio,…

Atrás das miúdas
Mas…a coisa não está fácil
Como sabemos e já aqui por várias vezes trouxe o assunto para tema de conversa, as castas portuguesas, apesar de numerosas não têm vida fácil. Umas são muito «oferecidas», vão com todos os gostos, com todos os solos e climas e dão bons resultados em quase todo o lado. É o caso, por exemplo, da Touriga Nacional ou da Alvarinho, para citar duas coqueluches da nossa viticultura. Estão na moda por boas razões, os resultados falam por si. Já outras, menos dadas a protagonismos, acabam meio esquecidas nas colecções ampelográficas e pouco mais. É o caso da Tinta Miúda, outrora muito plantada na região de Lisboa e também presente na região da Rioja (Espanha), aí com o nome de Graciano. Como sempre acontece (ou aconteceu) a casta teve outros nomes: entre nós, Tinta do Padre António (a quem lembra este nome para uma casta???), em Espanha Morrastel e, na Califórnia, Xeres. Recordo-me de um enólogo estremenho me dizer que a casta – com muita cor e muito tanino – era apreciada na zona de Torres Vedras, sobretudo nos vinhos que se destinavam a ser conservados muito tempo em cave. Mesmo nos tempos antigos, servia sobretudo de complemento à casta Castelão, tal como na Rioja, ainda hoje, serve de amparo à Tempranillo. É devido a este carácter «reservado» que temos entre nós tão poucos varietais de Tinta Miúda. Hoje trago dois do Alentejo e um de Lisboa. Há mais dois na zona de Lisboa (Quinta do Pinto) e um – Las Vedras 2019 – que me chegou recentemente, e que tem origem na zona de Torres Vedras (Turcifal) mas que não tem Denominação de Origem (apenas selo IVV); é um pequeno projecto de Sónia Raposo e Pedro Marques (distribuição Os Goliardos).
A casta, cujo real valor é difícil de aquilatar face ao pequeno número de amostras (os três vinhos aqui provados são muito diferentes entre si) e à dispersão dos produtores é, apenas, mais um exemplo da diversidade que temos em Portugal e que pode justificar mais estudo. Esta diversidade tem duas leituras e tanto pode ajudar como confundir ainda mais o mercado e os consumidores. Temos tendência (e eu também me incluo no grupo) para acreditar que a diversidade de castas que temos é a nossa maior riqueza e aquilo que nos pode diferenciar num mercado global muito competitivo; que é com as nossas variedades que nos podemos mostrar e não com Syrah, Merlot ou Sauvignon Blanc. Mas do lado dos produtores, sobretudo de quem trabalha muito com mercados externos, vem a resposta: é mais fácil impor vinhos portugueses com poucas castas, sendo de evitar variedades cujos nomes são impronunciáveis (não esquecer que nenhum inglês consegue pronunciar «ão», e o Tinto Cão passa a Tito Cáu e o Sousão a Suzau e o Alvarelhão (este é melhor esquecer…). Estes são apenas alguns exemplos. Sem que haja uma receita válida para todas as situações, o que é de louvar é que ainda haja produtores que, mesmo em quantidades homeopáticas, não queiram que o nosso património se perca. É que seria terrível se deixássemos de ter uma casta com um nome tão lindo como Amor Não Me Deixes. Nota: é verdade, existe uma casta portuguesa com este nome!
Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)
Herdade Grande Tinta Miúda tinto 2020
Região: Reg. Alentejano (Vidigueira)
Produtor: António Lança
Casta: Tinta Miúda
Enologia: Diogo Lopes
PVP: €23
Teve uma fermentação em lagares de inox e um estágio de 12 meses em barrica. foram produzidas 1400 garrafas.
Dica: austero, ainda com taninos firmes, um tinto sério que pode viver bem em cave, após prova agora.
Tinta Miúda da Malhadinha tinto 2019
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Herdade Malhadinha Nova
Casta: Tinta Miúda
Enologia: Nuno Gonzalez
PVP: €35
Fermenta em lagares e tem estágio de 18 meses em barricas novas. Produzidas 3219 garrafas e 200 magnuns.
Dica: uma versão mais tradicional da casta, com algumas notas licoradas a mostrarem que já está no seu melhor momento. Polido e acetinado. Um prazer à mesa.
Monte Bluna tinto 2020
Região: Reg. Lisboa
Produtor: Nuno Martins da Silva
Casta: Tinta Miúda
Enologia: Nuno Martins da Silva
PVP: €22,50
A vinha fica em Arruda, situada em encostas com solos argilo-calcários. Feito em inox, estagiou depois 9 meses em barrica usada e mais um ano em inox. Produzidas 2111 garrafas.
Dica: aberto na cor, boa fruta vermelha, leve e suave na boca. Um dos perfis possíveis da casta. Deve ser bebido jovem.
Texto fantástico e muito elucidativo. João P. Martins: the best. Vou lendo, aprendendo e testando. Os meus parabéns.🙏🙏🙏🙏🙏