skip to Main Content

Histórias de um país distante

As semanas das mentiras estão aí a chegar

Era uma vez um país onde não chovia. Todos os habitantes estavam preocupados porque não tinham água para o que era preciso, nem para regar as flores e, em algumas zonas, nem mesmo para beber. Todos precisavam de ajuda. Entre eles, claro, os agricultores; os do milho, os dos olivais intensivos e dos amendoais, todos a apanicar. Os que produziam uvas não estavam muito melhor: embora se soubesse que as vinhas mais velhas resistiam melhor à seca, a falta de água no solo acabava também por não ajudar a desenvolver uvas sãs. Uns começaram a deitar contas à vida e a ver que os prejuízos iam ser grandes, outros, mais espertos, começaram a ver como poderiam contornar a situação. Encontraram, ao que parece, uma solução com duas vertentes: por um lado ir procurar uvas (ou vinho a granel) onde houvesse para colmatar as faltas; por outro lado, contratar uma empresa de comunicação que fosse capaz de criar uma narrativa credível que justificasse o facto de, no fim da vindima, e por milagre, o produtor tivesse passado ao lado da seca extrema. Assim se pensou e melhor se fez. É verdade que as instituições também ajudaram porque se apressaram a dizer que, ah e tal, a vindima vai ser boa e afinal as alterações climáticas não afectaram tanto como se pensava. Assim sendo, a tal empresa de comunicação teve o trabalho facilitado: tudo somado a produção foi idêntica, a excelência do terroir permitiu que não houvesse quebra na quantidade e, com o esforço de denodadas equipas técnicas e a bênção do Senhor, foi possível manter a produção em níveis praticamente idênticos aos de outros anos e, imagine-se, até com melhoria de qualidade. Sobre a origem do vinho comprado, que virou vinho de quinta, um silêncio ensurdecedor… Mesmo os que não tiveram dinheiro para pagar a agências também criaram o seu próprio discurso: os da intervenção minimalista porque «como se viu, o importante é não fazer nada e a produção mantém-se» e os outros que, com adegas cooperativas por perto que queriam escoar stoks, conseguiram passar ao lado da crise, «em virtude da grande disponibilidade de água no solo que impediu que a seca tivesse graves efeitos na produção». Ah, é verdade, havia também algumas empresas grandes que até costumavam comprar milhões de quilos de uva e que, agora, afinal, iam pagar menos por elas porque, como vão ter menos lucro, têm de pôr as culpas em alguém e quem está mais a jeito é o lavrador.
A empresa de comunicação não se poupou a esforços e conseguiu depoimentos convincentes das mesmas pessoas que tinham dado depoimentos sobre os produtos de cálcio para a terceira idade e de outras que tinham respondido convictamente às propostas da empresa que propunha um emagrecimento de imensos quilos em poucos meses. De todos obteve a resposta que o vinho estava excelente e que a colheita, afinal, era de grande qualidade. Os fogos podiam inundar os noticiários, as imagens dos rios secos podiam ser chocantes mas, em boa verdade, só para quem não sabia que neste país o vinho estava para além das crises: nascia, crescia e alimentava um milhão de pessoas.
Achei graça a este conto que encontrei num livro de um autor anónimo. Ele não identificava o país mas nem quero saber. Deve ser muito longe.

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Arché branco 2020
Região: Alentejo
Produtor: Herdade do Sobroso
Castas: Arinto e Antão Vaz
Enologia: Luís Duarte
PVP: €60
A herdade, com cerca de 1600 ha, fica bem perto do Alqueva. Nos últimos anos foram ali plantados 660 000 sobreiros. Além do vinho a herdade tem um hotel rural de elevada qualidade.
Dica: fermentado em barrica é um branco sofisticado, cheio, maduro mas com boa acidez. Merece copos largos. O peso excessivo da garrafa é que é ambientalmente incorrecto…

Pousio branco 2021
Região: Alentejo
Produtor: Casa Agríc. HMR
Castas: Alvarinho e Antão Vaz
Enologia: Nuno Elias/Luís Duarte
PVP: €14
O mosto foi vinificado em inox e teve despois um estágio sobre borras a fim de adquirir mais complexidade. Resulta assim um pouco mais carregado na cor e mais gordo. 3600 garrafas produzidas.
Dica: aroma maduro e cheio, fruta com algum peso. Muito redondo e afinado na boca, prefeito para peixes com bom tempero ou mesmo queijos.

Manoella rosé 2021
Região: Douro
Produtor: Wine & Soul
Casta: Touriga Nacional
Enologia: Wine & Soul
PVP: €12,50
Este rosé, apesar de ser relativamente recente no mercado – a primeira edição foi na colheita de 2019 – tem-se revelado não só um bom rosé como uma excelente relação preço/prazer.
Dica: salmonado na cor, suave no aroma e muito surpreendente na boca pela boa estrutura que apresenta. A consumir agora com peixes delicados ou marisco.

 

This Post Has 0 Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Back To Top
Search