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Vamos lá a ver se a coisa se compõe

Isto de abrir muito o leque pode ser perigoso

Toda a gente se queixa do consumo de vinho. Bebemos menos, na restauração rodam menos vinhos pelas mesas, quem tem stocks elevados está a deitar mãos à cabeça. Como se resolve isto? Como se poderá reconquistar consumidores que foram, em tempos, apanhados na louca onda dos anos 90 em que se comprou como se não houvesse amanhã, e agora estão a braços com vinho em quantidade excessiva? Temos abordado com frequência o assunto mas continuamos a ver preços desajustados quer nas prateleiras, quer na restauração.

Vem isto também a propósito dos vinhos que hoje seleccionei e que podem deixar alguns leitores atónitos. No caso dos vinhos do Douro que indico – ambos de qualidade excepcional – salta à vista que têm preços muito díspares, algo que se justifica também pela quantidade produzida. Tem sido habitual assistir no Douro ao surgimento de tintos que se colocam no topo da pirâmide do portefólio e que os produtores não são meigos nos preços que pretendem. Ora, com a dificuldade em vender que hoje conhecemos, resta saber o que passa pela cabeça de um produtor que, sem mais nem menos, se lembra que o vinho terá €100 ou mais de PVP. Disseram-me, numa garrafeira de referência de Lisboa, que “o vinho está ali mas ninguém compra”. Na linguagem do lojista, são vinhos que não rodam e que estão na prateleira por que sim, não é pelo negócio.

Faz-me lembrar o restaurante que tinha garrafas óptimas mas a preços inenarráveis. Porquê? Porque dava “um certo charme à carta”! Fiquei elucidado. Estamos então assim: fazemos vinho a preços absurdos mas não é para vender é só por show-off. Não será o caso dos vinhos de hoje, até porque o Chryseia consegue o feito de se vender a €77, em quantidades que seriam o sonho de qualquer produtor. E, tanto quanto sei, a venda e distribuição do Chryseia não deixa muito stock em casa, querendo com isso demonstrar que o preço está certo. Era melhor que fosse mais barato e que dessa forma pudéssemos beber mais frequentemente? Era sim, mas o mesmo desejo se poderia ligar a muitos produtos a que gostaríamos de ter acesso amiúde mas são muito caros. Nada a estranhar, portanto.

O tal negócio do vinho que não corre nada bem estende-se às mais famosas regiões do mundo e mesmo em Bordéus, um tinto a €250, como o Adelaide, é já um vinho da liga dos campeões e, seguramente, de um château de referência. A quantidade de bons vinhos desde esse patamar de preços até ao preço do Chryseia é quase interminável. É claro que o Vallado coloca este vinho, que apenas se produz em anos considerados de grande valia, no altar das preciosidades, um vinho que complementa na perfeição um portefólio onde já cabem vinhos acima dos €100, como o Vinha da Granja. No caso destes dois tintos é com muito apreço que verificamos que o perfil se apurou e a elegância se instalou. Tudo sem perder o “sentido do lugar”, sem alinhar nas tendências abstrusas que querem fazer um tinto de uma região quente e quase violenta (como o Douro) parecer um palhete de uma zona fresca, sem álcool, sem cor e sem corpo. Vamos lá a ganhar juízo. O Douro tem esse mérito de ter localizações que permitem todos os estilos de vinho mas é bom não perder o tino. Ah, é verdade, já me esquecia, o Murganheira tem uma qualidade óptima e um preço incrível que desafia muitos espumantes de zonas famosas.

Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)

Espumante Murganheira Blanc de Noirs Bruto 2019
Região: Távora-Varosa
Produtor: Soc. Agr. e Com. do Varosa
Casta: Touriga Nacional
Enologia: Marta Lourenço
PVP: €21,60
Este é um branco feito a partir de uvas tintas. A prática iniciou-se em Champagne com o uso castas tintas para fazer um branco.
Dica: citrino nos aromas, austero no perfil, bolha muito delicada. Perfeito na acidez, temos espumante para brilhar à mesa, mesmo com pratos de carne.

Chryseia tinto 2023
Região: Douro
Produtor: Prats & Symington
Castas: Touriga Nacional e Touriga Francesa
Enologia: equipa da Quinta de Roriz
PVP: €77
Foram produzidas 37 000 garrafas e também há em magnum. Com o tempo que leva de vida (nasceu em 2001) a marca tem vindo a aprimorar o estilo, com vinhos cada vez mais elegantes, distintos e polidos.
Dica: este é um campeão, com toda a classe que daí advém, muita estrutura e balanço perfeito entre fruta, corpo, acidez e taninos. Não é nada fácil de conseguir este equilíbrio.

Adelaide tinto 2017
Região: Douro
Produtor: Quinta do Vallado
Castas: mistura de 30 castas com predominância da Touriga Francesa (65%)
Enologia: Francisco Ferreira/ Francisco Olazabal
PVP: €250
Deste vinho fizeram-se 3410 garrafas e 200 magnuns. O lançamento deste vinho decorreu no espaço Poente, na Ribeira do Porto, com localização imbatível, com uma área multiusos, da esplanada à garrafeira e, nos andares superiores, com restaurante e zona para eventos.
Dica: austero, com notas químicas e de fruta negra mas com rara elegância de conjunto. A barrica está magistralmente inserida num conjunto verdadeiramente luxuoso.

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