Há sempre decisões a tomar Setembro e Outubro costumam ser momentos de feiras nos supermercados.…

Moscatel e outras doçuras
O que é doce nunca amargou…
O tema de hoje são vinhos generosos de moscatel. Estamos então no terreno dos vinhos doces, ainda que a casta permita fazer vinhos de boa secura. Por cá sempre gostámos mais dos doces mas recordo o êxito estrondoso que foi, nos anos 90, o lançamento do João Pires, um branco jovem e fresco e que de generoso não tinha nada, apesar de ser feito de moscatel. A casta está espalhada pelo mundo, chegou mesmo à África do Sul e, na bacia do Mediterrâneo, e pode tomar nomes diferentes, conforme a região e a sub-família a que pertence. Em Portugal temos algumas variedades, a Moscatel Galego (no Douro), a Moscatel de Alexandria (Setúbal) e, também no Douro, para vinho seco, a Moscatel Ottonel, variedade nascida no séc. XIX e muito usada no centro da Europa. Em Espanha é em Málaga que ganha mais notoriedade, ao lado da Pedro Ximénez, gerando vinhos generosos. Confesso que, há uns bons anos, num concurso internacional, provei um Málaga que era capaz de jurar que era um Setúbal. Coisas dos concursos…
Favaios e planalto de Alijó são as zonas mais importantes, ainda à espera que se constitua a sub-região de Favaios. É que, Moscatel do Douro é nome demasiado genérico que abrange toda a região e não privilegia Favaios, como deveria. Coisas das organizações…
Fazer moscatel não tem segredos, uma vez que se segue a regra usada para todos os outros generosos: interrompe-se a fermentação a meio, adiciona-se aguardente e o produto final fica doce e mais alcoólico. Há, no entanto, variações: as uvas podem ser deixadas ao sol após a vindima, em tabuleiros ou penduradas, para desidratarem antes da fermentação. É o método usado para fazer o Passito de Panteleria (Sicília), onde a casta Moscatel de Alexandria tem o nome de Zibibbo; no Jura (França) faz-se o Vin de Paille, não com Moscatel mas com as castas Savagnin ou Poulsard, com as uvas a serem colocadas em tabuleiros para desidratarem, um processo que tem o nome de passerillage. Na região de Setúbal, a tradição impôs a prática de no final da fermentação deixar as películas em contacto com o vinho durante vários meses, o que muito contribui para a complexidade que se consegue obter no final. Na José Maria da Fonseca, em Azeitão, ensaiou-se também o uso de duas aguardentes distintas para adicionar ao mosto: uma de Cognac e outra de Armagnac. Se comparados ao lado um do outro, torna-se evidente que a aguardente pode influenciar o perfil do generoso. É experiência a fazer.
Nas sugestões de hoje há moscatéis de vários estilos e para várias bolsas. A Bacalhôa mantém o perfil inconfundível de “vinho que se mastiga”, com as passas de uva a “dançarem” na boca, numa prova que nos fica na memória. O vinho das Caves Velhas é originário de Setúbal (ainda que sem D.O.) mas não é agora possível saber se, por exemplo, teve origem em uvas dos terrenos calcários da serra da Arrábida ou das areias de Palmela. Aquelas duas zonas originam moscatéis diferentes, com os vinhos da serra a superiorizarem-se em complexidade. Uma visita a um supermercado elucida-nos: vendem-se moscatéis a preços ofensivamente baixos, que não prestigiam a casta, as regiões e o país. Coisas do mercado…
Como generoso doce, o moscatel pode ser usado em cocktails mas é sobretudo um vinho de sobremesa, devendo ser servido fresco para que a doçura (que pode chegar a ser muito elevada) não retire prazer ao consumo. Coisas do açúcar…
Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)
Bacalhôa Superior 20 anos 2000
Região: Moscatel de Setúbal
Produtor: Bacalhôa Vinhos de Portugal
Casta: Moscatel de Setúbal
Enologia: Filipa Tomaz da Costa
PVP: €55 (0,5l)
Vinhas na serra da Arrábida. Os cascos (muitos oriundos da Escócia) são conservados numa estufa onde as variações de temperatura ao longo do ano favorecem o envelhecimento. A elevadíssima acidez compensa os 300 gr/açúcar por litro.
Dica: para se perceber o que é um moscatel com passas de uva a dominarem os sabores; um vinho incrível a preço muito, mas mesmo muito conveniente.
Caves Velhas Moscatel 50 anos
Região: Vinho Licoroso, sem D. O.
Produtor: engarrafado por Enoport
Casta: Moscatel Graúdo (ou de Alexandria)
Enologia: Nuno Faria
PVP: €260 (0,5l)
Os vinhos têm origem na região de Setúbal e a idade real deverá ser muito superior a 50 anos. Graduação de 17,5% de álcool.
Dica: muito concentrado e rico de aromas, onde a madeira velha marca presença, notas de mel, compotas e citrinos confitados. Conserva uma excelente acidez e frescura.
Adega de Favaios Colheita 2000
Região: Moscatel do Douro
Produtor: Adega Cooperativa de Favaios
Casta: Moscatel Galego
Enologia: Miguel Ferreira/Filipe Carvalho
PVP: €80 (0,5l)
Engarrafado em 2024, de um lote de 3200 litros. Graduação de 17% de álcool.
Dica: conserva muito do perfil aromático que associamos à casta, ainda (e bem) sem o peso excessivo da idade. Notas de farripa de laranja numa doçura contida. Muito bem conseguido.
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