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Em Murça mandam os brancos

E não é por segregação, é por mérito

Desenrolou-se há uma semana a 2ª edição do evento Brancos na Praça, que teve lugar em Murça. Com o apoio e grande empenhamento da edilidade local, foi possível reunir ali os produtores locais e outros que, não estando sediados em Murça, ali se abastecem de uvas para os seus brancos DOC Douro. Historicamente falando, a região sempre foi uma zona vocacionada para produzir uvas brancas, beneficiando da altitude (moderada) que tem e que gera vinhos de acidez natural mais elevada e grande frescura. Assim sendo, pode-se questionar o porquê deste recente interesse nestas uvas, se sempre ali foi zona para produzir brancos. Se recuarmos um pouco no tempo tudo faz mais sentido. Até, digamos, meados dos anos 80 e começos de 90 do século passado, a região produzia uvas sobretudo para Vinho do Porto branco, uma gama que era pouco considerada: produzia-se muito, o Porto branco bebia-se como aperitivo (desde que em 1934 a Taylor’s lançou o Chip Dry) mas não ia muito além de um vinho vulgar. A legislação não contemplava – como agora acontece – a possibilidade de fazer um Porto branco com indicação de idade (10, 20, 30 e 40 anos) ou Colheita.

A própria produção de vinhos brancos tranquilos no Douro não tinha expressão, além das marcas da Real Vinícola, Real Companhia Velha, Sogrape e brancos de algumas cooperativas e não eram um referencial de qualidade. Foi a partir dos anos 90 que a Ramos Pinto, a Niepoort e mais alguns produtores, se abalançaram a produzir brancos DOC Douro e descobriram o filão que eram as uvas brancas de Murça. Quase todas as casas que faziam Porto branco viraram a agulha, percebendo que o DOC Douro branco era um activo muito mais interessante que o Porto branco, sempre condenado a ser parceiro da água tónica. De então para cá o que se verificou foi uma autêntica corrida às uvas de Murça, corrida essa que se estendeu às outras zonas altas da região e que apenas produziam uvas para Porto nas categorias mais baixas da escala, as letras E e F.

A mudança foi radical, as uvas passaram a ser mais valorizadas e as parcelas de vinhas velhas recuperadas. Uma breve passagem na região de Murça (e em Carlão, por exemplo), permite-nos perceber que as vinhas estão bem tratadas e o futuro, muito mais do que Porto, aponta para a continuada valorização dos brancos DOC Douro, numa época em que se está a consumir mais branco que tinto. É verdade que ainda não há massa crítica suficiente para se fazer um grande evento de produtores da zona mas os vinhos de Murça entrarão em qualquer short list dos grandes brancos do Douro. E, de uma vez por todas, deixemo-nos de preconceitos em relação à longevidade dos vinhos brancos: eles têm demonstrado que, em algumas regiões, os primeiros 25 a 30 anos são fáceis de percorrer e, em muitos casos, mais fáceis do que para os vinhos tintos. No evento fez-se uma prova cega de grandes brancos de Murça (como os da selecção que hoje faço) e outros de famosas regiões europeias e a conclusão é que já lá vai o tempo em que saíamos envergonhados da contenda. Uma segunda prova de brancos de Murça com vinhos de outras regiões portuguesas confirmou a apetência do país para os brancos de qualidade. Só temos de acordar.

Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)

Guru branco 2022
Região: Douro (parcelas em Murça)
Produtor: Wine & Soul
Castas: misturadas em vinhas velhas
Enologia: Wine & Soul
PVP: €35
O mosto fermentou em barricas, com pequena percentagem de barrica nova e aí estagiou 9 meses. Deste vinho fizeram-se 17 500 garrafas e 500 magnuns.
Dica: ao longo dos anos tem vindo a afinar em elegância e precisão e é hoje, continuadamente, um dos grandes brancos do país, complexo e muito rico. Deverá conservar algumas garrafas em cave.

CV Curriculum Vitae branco 2021
Região: Douro (uvas de Murça)
Produtor: Van Zeller’s & Co.
Castas: misturadas em vinhas velhas
Enologia: Cristiano van Zeller e Joana Pinhão
PVP: €78
Este é verdadeiramente um vinho de guarda, apresentando desde já uma enorme complexidade aromática e uma elegância notável. Produzidas 2215 garrafas e 228 magnuns.
Dica: acompanha na perfeição pratos de sabores delicados desde marisco cozinhado ou peixes nobres com molho de manteiga/natas.

Monte São Sebastião Reserva branco 2022
Região: Douro (Murça)
Produtor: Quinta São Sebastião
Castas: Rabigato, Gouveio e Códega do Larinho
Enologia: Luis Rodrigues
PVP: €18
O mosto fermenta em inox e termina depois nas barricas onde fica a estagiar durante 6 meses. Produzidas 2666 garrafas.
Dica: muito equilibrado, polido e fresco, com grande harmonia aroma/sabor, dominando os tons citrinos. A conhecer.

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