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Da barrica e do seu uso

Novas sim, usadas talvez

Todos os vinhos que sugiro hoje têm um traço comum: usam barrica para estágio mas, em vez de ser madeira nova, é já usada, com várias utilizações anteriores. O uso das madeiras no vinho é tão antiga que se perde no tempo e é usada nos quatro cantos do mundo vinícola. Antigamente eram os tonéis de grandes dimensões que preenchiam o espaço nas adegas, quase sempre usados para estagiar os vinhos após a pisa em lagar. Recordemo-nos que a pisa a pé “entrou” bem dentro do séc. XX e, mesmo no Douro, até 1963 (inclusive) todos os vinhos do Porto resultavam de pisa em lagar. A seguir fazia-se a trasfega para os tonéis e depois era deixar o tempo fazer o seu papel. Este método era usado quer para os vinhos generosos quer para os tintos que também amiúde eram estagiados em madeiras ou depósitos de betão por longos períodos antes de serem comercializados.

As chamadas meias barricas (de 225 litros) foram vulgarizadas em Bordéus quando os vinhos eram exportados em pipa, nomeadamente para o mercado inglês. Muitos produtores têm vindo a ensaiar barricas de outras capacidades e hoje encontramo-las de todos os tamanhos, cada vez mais adaptadas ao tipo de vinho que se pretende, às castas com foi feito o vinho e ao “peso” de madeira que queremos dar ao vinho; mais capacidade da barrica origina vinhos menos marcados pela tosta da madeira mas isto está longe de ser uma regra de três simples; há imensos factores que baralham as contas, tais como o tipo de madeira usada (há vários tipos na família quercus), o tipo de tosta e a tanoaria que a fez. Essas são as contas que o produtor tem de fazer antes do investimento. Agora, como reflexo do gosto actual, o uso da madeira nova está a diminuir e os produtores estão a redescobrir as vantagens do uso de madeiras de 2ª, 3ª e 4ª utilização para o estágio. Poupa-se em dinheiro (uma meia barrica nova pode ultrapassar os €1000) e o uso durante quatro anos ajuda a gerar vinhos menos marcados mas que, ainda assim, beneficiam do estágio, integrando melhor taninos, acidez e fruta.

Ao fim de 4 anos ainda há mercado para vender as barricas usadas mas as tais que tinham custado €1000 são agora vendidas entre €50 e €100 cada. Porquê? Porque o que se pretendia com o input da madeira nova no vinho vai-se diluindo à medida que a barrica vai sendo usada por vários anos e, a partir do 4º ano, já não contribui em nada para o perfil aromático do vinho. É também por essa razão que os produtores indicam que estagiaram os vinhos em madeiras de 2º ou 3º ano. Sabemos que a madeira, se bem conservada, pode ser usada por 100 ou mais anos mas não já para conferir aromas mas para ser usada como depósito onde os vinhos aguardam o engarrafamento e onde esperam que o tempo tudo amacie. Ainda hoje encontramos adegas com tonéis de dimensão brutal e que nos ajudam a compreender os vinhos de outrora. Castas muito estruturadas e vigorosas de taninos beneficiam com o estágio em madeira nova mas vinhos de castas frágeis, de pouca cor e taninos sedosos, serão aniquilados se forem estagiados na madeira nova. Assim, além de fazer contas, o produtor tem de pensar bem no tipo de vinho que vai fazer e, depois, decidir em conformidade.

Sugestões da semana:
(Os preços dizem respeito à Garrafeira Empor, em Lisboa)

Duorum Vinha dos Muros branco 2023
Região: Douro
Produtor: Duorum Vinhos
Castas: Arinto e Gouveio
Enologia: João Maria Ramos/João Perry Vidal
PVP: €19,95
Fermentação em cuba de inox e estágio sobre as borras. Cerca de 25% do vinho estagiou em barrica usada. Vinhas no Douro Superior, em Castelo Melhor.
Dica: boa ligação entre as castas, barrica no ponto, nervoso na boca com boa acidez, elegante e fino. Perfeito para o Verão, para saladas de peixe e marisco.

Vinha das Penicas tinto 2019
Região: Terras de Sicó (Beira Atlântico)
Produtor: Alberto Costa de Almeida
Castas: castas misturadas em vinha velha, domina a Baga
Enologia: Alberto Almeida
PVP: €27,85
Fermentação em lagar, estágio de um ano em barrica usada. Posterior estágio de 2 anos em garrafa. Graduação moderada de 12,5%.
Dica: atractivo no aroma, fruta madura mas com boa definição, sem pesar. Um toque amargo na boca não magoa mas exige comida por perto. Conjunto interessante, oriundo de uma região “escondida”.

Rapazotes Reserva tinto 2020
Região: Douro
Engarrafado por: Tulha & Ribeiro
Castas: misturadas em vinha velha
Enologia: José Pedro Machado
PVP: €16,20
Fermentação em lagar, estágio de um ano em barrica usada. Produzidas 3600 garrafas. Graduação em nível elevado: 15,5%.
Dica: aroma atractivo, denso na fruta, balsâmico e muito equilibrado. A mesma sensação na boca, o teor alcoólico sente-se mas não perturba. Para pratos fortes.

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