Dizer que temos uma garrafa em casa não chega Um dos vinhos que seleccionei esta…
A propósito de Bob Dylan
E da partida de um grande senhor
Quem tiver memória vínica vai recordar-se que nas primeiras garrafas do tinto Incógnito (alentejano, Cortes de Cima e feito com Syrah) estava incluída uma pequena frase de Bob Dylan. A razão de ser explica-se facilmente: o vinho, cuja primeira edição remonta a 1998, era feito com Syrah, uma casta então não autorizada na região porque não constava dos Estatutos. Este tema daria outra crónica porque é ridículo levantarem-se as vozes contra um vinho feito com uma casta não autorizada mas, logo que entra para os Estatutos, passa de proscrita a adorada. Foi isso que aconteceu à Syrah, hoje omnipresente nos lotes dos tintos planície. Mas isto foi no século passado, há muito, muito tempo. O vinho indicava o nome Syrah com um anagrama e juntava-lhe a tal frase de Bob Dylan: “para viver fora da lei tens de ser honesto”. Esta deveria ser uma frase escrita em letras bem gordas e colocada em muitas casas de produtores, para aprenderem. O facto das uvas não falarem, o peso que tem o negócio dos vinhos baratos, o negócio do granel, a pressão das grandes superfícies e a necessidade de alimentar um público que aprecia a diferença e a ilusão da marginalidade, tudo isso deita a frase de Dylan por terra. E o tema vem também a propósito da morte de Louis Fabrice Latour, ocorrida há ano e meio. Ele era a face conhecida da Louis Latour, enorme empresa da Borgonha que continua a ostentar o nome da família; era o 11º membro da família a gerir a casa, fundada séc. XVIII, e o 7º Louis Latour. A empresa (representada em Portugal pela Garcias) tem vinhas em algumas das principais zonas da Borgonha (48 ha de vinhas próprias), com destaque para os Grand Cru Corton-Charlemagne e Chevalier-Montrachet que perfazem cerca de 24 ha, ou seja, a Louis Latour é a maior empresa em área de vinha em Grand Cru o que, numa região em que 1 ha de vinha em Grand Cru pode custar milhões de euros, não é de somenos. Só estive com Luis Fabrice uma vez, exactamente em visita à Borgonha, talvez há uns 7 anos. Os portugueses, entre Press e Trade, viajaram a convite da Garcias, e foram recebidos principescamente pelo próprio como se se tratasse do mais importante grupo do planeta. Uma lição para as pseudo estrelas cá da terrinha. Começámos na tanoaria da empresa em que tudo foi explicado e fomos para a sede em plena vinha, visitámos a cave dos segredos e almoçámos na ampla sala do château. Foi precisamente no meio da vinha Grand Cru Corton-Charlemagne (aconselho visita ao site da empresa que vem lá tudo…) onde nos custa a perceber que cada pé seja tão valioso assim, e em que cada garrafa vale centenas de euros, foi ali que L. Latour abriu o jogo e deu razão a Dylan. Disse, sem hesitar, que face à pressão das doenças da vinha que nesse ano estavam a ser demolidoras e a deitarem abaixo o trabalho de um ano, tinham abandonado a certificação Bio para poderem salvar as vinhas e as uvas. E concluiu: “ao preço a que vendemos os vinhos, não podemos correr riscos”. De nada adianta ser bio se isso leva à perda da produção. Neste como noutros temas (e já por várias vezes aqui falámos) é o bom-senso, aliado a algum pragmatismo e à honestidade que devem nortear a actividade do produtor. Quando é possível, é, quando não é não adianta fingir. Há quem ache que se pode ir lá de outra maneira mas para muitos deles há que lembrar a célebre frase brasileira: mi mente que eu gosto!
Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)
Roquette & Cazes tinto 2021
Região: Douro
Produtor: Roquette & Cazes
Castas: Touriga Nacional, Touriga Francesa e Tinta Roriz
Enologia: Daniel Llose/Manuel Lobo
PVP: €22,50 (disponível a partir de Março. Distrib: Heritage Wines)
Este tinto tem edição anual e nos melhores anos sai também o Xisto, o topo de gama desta empresa que liga a família da quinta do Crasto à família Cazes (Château Lynch-Bages, em Bordéus). Fizeram-se 80 000 garrafas.
Dica: grande equilíbrio e perfeita integração da madeira no vinho, a mostrar excelente trabalho, quer de viticultura quer de adega. Sucesso garantido.
Trufa tinto 2020
Região: Douro
Produtor: Quinta do Olival Velho
Castas: lote de castas de vinhas velhas
Enologia: Francisco Ferreira
PVP: €48
Tem origem no Cima Corgo. Feito em lagar, o vinho estagiou 20 meses em barrica de carvalho. Resultaram 3370 garrafas.
Dica: muito Douro no perfil, mostra um grande equilíbrio entre corpo, acidez e madeira. Esta proporção torna o vinho especialmente atraente.
Porto Ramos Pinto LBV 2018
Região: Douro
Produtor: Ramos Pinto
Castas: várias
Enologia: Ana Rosas
PVP: €22,70
O LBV é uma das melhores categorias do Vinho do Porto pela extraordinária relação qualidade/preço. A Ramos Pinto é referência obrigatória. A beber durante um mês após abertura da garrafa.
Dica: estrutura, perfume, riqueza de texturas, tudo por aqui autoriza a prova desde já. Queijos secos ou azuis são ligação perfeita. Também pode guardar em cave.
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