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O pelotão e as tropas de choque (vulgo operários)

A etapa é longa e o caminho tortuoso

O ciclismo, confesso, não é desporto que me entusiasme, quer nas competições de estrada quer no velódromo. Manias, dirão alguns (e com razão), quando se sabe que a emoção nestas coisas fala mais alto que a razão. Mas o jargão ciclista tem uma terminologia interessante. Começa logo na constituição das equipas, onde (e reproduzo o que ouvi a um comentador encartado) se definem as estrelas e os operários, os que estão calhados para ganhar etapas e os outros que têm de fazer o trabalho de sapa para ajudar os craques. E, mais tarde, já nas corridas, há o «pelotão da frente» e o «grosso do pelotão»; registam-se quase sempre umas fugas, às vezes bem-sucedidas outras engolidas pelo pelotão. Isto repete-se em todas as etapas. No mundo do vinho há imensas analogias. Nas empresas poderá haver estrelas (os vinhos muito caros) mas os operários (os vinhos que pagam as contas) têm de ter a capacidade para ajudar a que as estrelas se vendam; têm de ser bons, mesmo muito bons, que levem o consumidor a acreditar então no preço muito elevado da estrela. Depois, na corrida, no pelotão da frente de um país, teremos os vinhos de grande prestígio mundial e que dão fama à terra mãe mas, também nesses casos, o grosso do pelotão tem de lutar por um lugar entre os melhores. Isto pode aplicar-se também às regiões; por cá o Douro vai à frente em termos de prestígio, o Alentejo tenta colar-se ao líder (tendo já muito bons argumentos em termos de vendas mas a equipa está a engordar muito pela quantidade de vinho que tem em casa…) e, no grosso do pelotão, temos uma equipa esforçada que lá vai dando o litro – o Dão – mas as pernas não têm, para já, força suficiente que permita ir muito longe; pode ganhar etapas mas, nas contas finais, não ganha a volta. Nos grandes certames do ciclismo é muito raro, para não dizer impossível, que alguém vindo lá dos fundos do pelotão consiga ganhar uma volta. Nos vinhos parece que também é assim; não se sai da (quase) obscuridade para saltar para a frente, na tentativa de vender caríssimo algo desconhecido. Há alguns passantes a aplaudir, apanhados num excitamento momentâneo, mas, logo na etapa seguinte, se percebe que foi fogo fátuo e as forças para repetir a graçola já não existem. Dá-se assim o regresso ao pelotão onde estão os operários, uma vez que se tratou de um «engano da alma ledo e cego que a fortuna não deixa durar muito…» Até Camões já adivinhava que a coisa não é assim tão fácil, digo eu!
Voltando à estrada, convém não perder de vista o pelotão onde muita coisa se pode passar. Lá vemos regiões tentando vencer a «batalha da produção», trabalhando bem, produzindo a preceito, vendendo para muitos mercados, assegurando que as prateleiras das grandes superfícies têm produtos de qualidade e reposições atempadas. O ciclismo também nos ensina que só trabalhando em equipa se pode chegar a uma grande competição mas, neste aspecto específico, o vinho afasta-se, autorizando alguns competidores automarginalizados, a correrem por sua conta a risco, usam equipamento já em desuso e bicicletas que não permitem grandes performances. Há sempre quem aplauda, por curiosidade, gosto ou pena. Mas lá vamos, «biciclando» e rindo…

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Quinta da Lagoalva Dona Isabel Juliana Grande Reserva tinto 2021
Região: DOC do Tejo
Produtor: Quinta da Lagoalva
Casta: Alfrocheiro, Touriga Francesa e Touriga Nacional
Enologia: Pedro Pinhão/Luis Paulino
PVP: €35,90
Vinhas na zona de Alpiarça, inseridas numa vasta propriedade da família Holstein Campilho. O vinho estagiou 14 meses em barrica nova e usada.
Dica: bem estruturado, fechado e sério, um tinto para pratos invernosos de bom tempero.

Tapada do Chaves Reserva tinto 2017
Região: Alentejo Portalegre
Produtor: Tapada do Chaves
Castas: Aragonez, Trincadeira e Alicante Bouschet de duas parcelas, acrescida de uvas da vinha velha.
Enologia: Pedro Baptista
PVP: €30
A quinta fica em Frangoneiro, nos arredores de Portalegre. A vinha mais velha foi plantada no início do séc. XX. Actualmente pertence à Fundação Eugénio de Almeida. Estágio de 1 ano em barrica.
Dica: um grande clássico alentejano, aqui numa versão muito concentrada, ajudada também pelos 15,5% de álcool que tem. Precisa de culinária forte.

Porto Vasques de Carvalho tawny 50 anos
Região: Douro
Produtor: Vasques de Carvalho
Castas: misturadas
Enologia: Jaime Costa
PVP: €380 (preço médio indicado pelo produtor)
Empresa familiar com longa tradição de stocagem de vinhos velhos. O portefólio é notável em todas as gamas que produz. A indicação de 50 corresponde a uma média da idade dos vinhos que entram no lote.
Dica: este é um verdadeiro hino ao Vinho do Porto velho, com toda a panóplia incrível de aromas, dos frutos secos às madeiras exóticas. Um luxo a preço bem razoável.

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