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Fidelidades e atrevimentos

As cores também têm voz

Nos tempos que correm generalizou-se a ideia que os bons vinhos, aqueles a que alguns chamam os vinhos verdadeiros, os vinhos de vigneron e outros adjectivos agora em voga, são vinhos com pouca cor, com pouca extracção. Por oposição, os outros são os vinhos técnicos, fabricados para agradar a públicos que ligam muito à cor como factor de qualidade. Considero que as duas posições, exactamente por serem extremadas, enfermam do mesmo erro. Se soubermos ler o que a história ensina e o que o bom senso aconselha, podemos verificar que nas vinhas muito velhas, por exemplo, proliferavam um sem número de castas diferentes. Muitas delas estavam lá por uma razão mais simples e óbvia do que se poderia pensar: ajudavam a aumentar o volume de vinho, apenas e só por serem muito produtivas, não por terem qualidades óbvias. Eram também castas muito pouco interessantes do ponto de vista enológico. Temos então que é muito provável que numa vinha que tenha 30 ou 40 castas, existam muitas que, se lá não estivessem, o produto final não seria afectado em qualidade, mas ressentia-se seguramente em quantidade. Por outro lado, o povão sempre apreciou as castas tintureiras exactamente por darem muita cor ao vinho, vendo-se nisso um factor de qualidade; um bom exemplo é a casta Vinhão dos Verdes e Sousão do Douro mas também a Alicante Bouschet ou a Grand Noir, cá mais para sul. Não é assim verdade que o teor de cor seja um factor inibidor ou indutor de qualidade; a cor é um dos aspectos que compõe o vinho mas está longe de ser o mais importante. O erro, agora que a moda pede vinhos com menos cor, é pensar que um vinho descorado feito com uma casta tintureira, ou um vinho carregado feito com casta que, para se conseguir cor tem que ser massacrada, é «respeitar o terroir», o verdadeiro soundbite que os produtores avançam quando não têm mais que dizer. Isto vem a propósito dos vinhos que hoje sugiro, todos eles feitos com castas que não são propriamente muito tintureiras: a Pinot Noir, já se sabe, é casta difícil mas seguramente a cor não é o seu forte, ainda que aqui ela se mostre bem; a Negra Mole, casta que melhor representa os tintos do Algarve, é uma variedade que não prima pela cor (de que este é bom exemplo) e a Castelão, a mais plástica destas três, pode gerar vinhos com média intensidade de cor mas, também, se muito macerada e com muita extracção consegue gerar vinhos com intensidade cromática. Outrora muito presente no Alentejo, então com o nome de Periquita, e onde chegou a ser a principal casta que se aconselhava os produtores a plantarem, a Castelão, ainda que lá continue, foi «esmagada» pela Syrah, pela Alicante Bouschet e pela Touriga Nacional, o trio que actualmente melhor representa o Alentejo. Felizmente alguns produtores continuam a apostar em vinhos de Castelão fáceis de beber e muito gastronómicos, longe das bombas de fruta e madeira que já foram moda na região. Já a Negra Mole encontra-se em modo de sobrevivência, sem grandes condições para «dar luta» às castas brancas nacionais e estrangeiras que o Algarve mais parece vocacionado para produzir. É também por isso de louvar que alguns produtores mais atrevidos teimem em conservá-la. Quanto à Pinot Noir, vai sempre pairar o «fantasma da Borgonha» sobre a cabeça dos que com ela lidam mas…a luta continua!

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Adega Monte Branco Castelão tinto 2021
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Luis Louro
Casta: Castelão
Enologia: Luis Louro e Inês Capão
PVP: €22,08
Fermentou em inox e estagiou em barricas velhas de carvalho francês durante um ano.
Dica: excelente pureza de fruta, fácil e macio na boca, envolvente e com taninos macios. Muito consensual, será uma estrela à mesa.

Mignon Biológico tinto 2019
Região: Távora-Varosa
Produtor: Caves da Murganheira
Casta: Pinot Noir
Enologia: Marta Lourenço
PVP: €55
A Murganheira também produz espumante com a esta casta. Neste caso é vinificado em lagar de inox e estagia 18 meses em barrica e 18 meses em garrafa.
Dica: mais carregado na cor do que é habitual e com menos marcadores da casta, é um belo tinto, fino, muito polido na fruta e com muito boa prova de boca. Para pratos de massas e risotto, por exemplo.

Villa Alvor tinto 2022
Região: Reg. Algarve
Produtor: Aveleda
Casta: Negra Mole
Enologia: Manuel Soares
PVP: €12
A casta, de si mesma pouco corante, gerou aqui um tinto muito aberto de cor, parecendo um palhete e, curiosamente, por isso muito apelativo.
Dica: o verdadeiro vinho glu-glu, será sempre um companheirão à mesa com pratos leves e saladas.

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