Devagar que tenho pressa Quando assistimos ao arranque de um novo projecto de vinhos, sobretudo…
Diferença e indiferença
Como nos vemos e como nos vêem
Não há muito tempo organizei uma prova que incluía vinhos nacionais e de fora, sobretudo franceses. Actualmente já ninguém está à espera que numa contenda destas existam vencedores antecipados ou que uma região dê «uma abada» a outra. Esses tempos já lá vão. A parte curiosa foi que, no final da tal prova, um dos provadores presentes – já com muita tarimba na matéria – se lamentava que, quando tinha começado a carreira e tinha oportunidade de provar vinhos franceses, sentia um deslumbramento enorme perante brancos e tintos que percebia estarem longe, mesmo muito longe daquilo que por cá se fazia. Eu próprio recordo – nos tempos do O Jornal/Vinhos – a grande excitação do meu camarada José Salvador quando regressou da VINEXPO, em 1989: comparados com os grandes tintos de Bordéus que tinha acabado de conhecer, algumas das nossas marcas então mais conhecidas pareciam não ter argumentos de competição. É claro que se tinha de dar o desconto do deslumbramento: toda a zona do Médoc, a rota dos châteaux, aquelas construções de contos de fadas e toda aquela aura de riqueza não podiam deixar de exercer um grande fascínio a qualquer neófito. Esse era também o deslumbramento que o tal enólogo da minha prova sentia, sempre com algum amargo de boca; eles eram os famosos, os que vendiam caro, os que apareciam nas revistas internacionais e integravam o ranking dos melhores; nós quedávamo-nos num círculo de cariz paroquial e poucos eram os que conseguiram furar essa maldição. A verdade é que conseguimos romper essa barreira indo pelo caminho certo: melhorando a qualidade em todos os elos da cadeia, começámos na vinha e em todo o processo até ao ponto de venda, houve significativas melhorias nos nossos vinhos. Foi aí que o deslumbramento face aos vinhos estrangeiros se desmoronou e fez mesmo nascer algum exagerado orgulho nacional, sobretudo nas provas cegas. A verdade é que se agora organizarmos uma prova com valores intermédios, por exemplo, entre €15 e €30 por garrafa, verificamos que temos vinhos de qualidade notável que podem, não só ombrear, como suplantar a concorrência. Pode naturalmente perguntar-se se, nestes casos, se justifica provar vinhos estrangeiros mas a resposta a essa dúvida é óbvia: é claro que vale. A razão até é simples: alguns vinhos são expressões de solos, climas e castas que poderão não existir entre nós e só poderemos sair enriquecidos da experiência. Requer-se mente aberta, gosto pela novidade e ausência de chauvinismo. Para percebermos porque os outros são tão conhecidos e se vendem caro face à qualidade que apresentam, é bom ter presente que o caminho do sucesso é longo e, não raramente, penoso. No fundo, ainda estamos a beneficiar de vinhos portugueses que, apesar da elevada qualidade, têm preços abordáveis que compramos e podemos repetir a compra. É sempre útil não esquecer que uma coisa é comprar por impulso, ou porque é novidade ou porque é fashion, outra é voltar à loja para comprar de novo. É também muito reconfortante ver como agora os winewriters que outrora nos viam como os underdog, agora rasgam elogios. E já lá vai o tempo em que não conhecer as principais regiões portuguesas era normal. Hoje é falha grave para quem escreve sobre vinhos.
Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)
Scala Coeli tinto 2019
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Fundação Eugénio de Almeida
Casta: Petit Verdot
Enologia: Pedro Baptista
PVP: €85
Nesta colecção a Fundação edita vinhos de uma só casta, quase sempre de variedades que não são autóctones na região. Neste caso a Petit Verdot, que é casta bordalesa, revelou uma grande adaptação ao clima do Alentejo. Atenção aos 15% de álcool porque não se dá por eles durante a refeição. Só no final…
Dica: denso e volumoso, grande estrutura de boca. Um tinto a pedir pratos fortes e bons copos que valorizem toda a raça que apresenta.
Herdade do Peso Reserva tinto 2019
Região: Alentejo
Produtor: Sogrape Vinhos
Castas: Alicante Bouschet, Syrah e Touriga Nacional
Enologia: Luis Cabral de Almeida
PVP: €25
A herdade fica na Vidigueira. Fermentação por casta e estágio em barrica e tonel. Só no final se fez o lote das três variedades. Produzidas 31 200 garrafas.
Dica: grande polimento aromático e com um equilíbrio muito bem conseguido entre fruta, madeira e taninos. A mostrar grande trabalho de vinha e adega. Um prazer.
Quinta da Côrte Porto LBV 2016
Região: Douro
Produtor: Pacheco & Irmãos
Castas: misturadas na vinha velha
Enologia: Marta Casanova
PVP: €32
A garrafa não o indica (não é obrigatório) mas este LBV não foi filtrado antes do engarrafamento. Apresenta muito depósito e isso requer cuidados antes de servir, com decantação obrigatória.
Dica: excelente no aroma de fruta madura e leves licorados, sério e (também por isso) muito atractivo. Muito rico na boca, um Porto que se mastiga. Para quem não conhece será uma grande surpresa.
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