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A tentação das comparações

Pode ser engraçado mas não mais do que isso

Aqui há uns bons anos, talvez 15, não recordo, fui convidado para participar em mais do que uma prova de um grupo de gente do velho continente – chamado Grand Jury Européen – que se reunia para provar às cegas. Presentes sempre grandes nomes sonantes, nomeadamente da zona de Bordéus, daqueles que temos poucas oportunidades para beber. O objectivo do Jury era provar, lado a lado, vinhos de châteaux superfamosos, com outros de propriedades desconhecidas ou cujos preços eram irrelevantes se comparados com os das grandes casas. Partia-se assim de uma ideia que todos reconhecemos como óbvia: nem sempre os melhores vinhos são os mais famosos e caros. Em relação às grandes marcas de Bordéus e que têm mais consistência, da margem esquerda – para mim, Château Haut-Brion, Léoville las Cases e Château Margaux e, na margem direita (em St. Émilion), Château Ausone e Cheval Blanc -, é muito difícil colocá-los à competição com marcas menores porque a diferença é abissal. No entanto, é verdade que há marcas de segunda linha que, na tal prova cega, acabam por não justificar todos os euros que custam. No grupo de prova europeu, com gente oriunda de vários países, chegava-se invariavelmente à conclusão que algumas marcas menores, por trabalharem muito bem as vinhas e os vinhos, conseguiam resultados de enorme valia, custando pouco dinheiro. Agora vem a parte mais «quente», uma vez que este tipo de provas levanta questões interessantes. Com um exemplo a coisa fica mais fácil de perceber: se eu colocar numa prova cega um vinho português (branco ou tinto) lado a lado com vinhos muito famosos e caríssimos (franceses, espanhóis, italianos ou americanos) e todo o painel de provadores (vindos de fora) chegar à conclusão que o nosso é o melhor, isso quererá dizer que podemos vender o nosso branco ao preço do grande Borgonha que ficou atrás na classificação? Ou que, após a prova, todos vão comprar o nosso vinho por ser mais barato em vez do vinho famoso? A resposta é, nos dois casos, negativa. E, mais importante do que o primeiro impulso de compra, interessa a recompra repetidamente. É por isso que provas deste tipo são basicamente inúteis, ainda que curiosas. Poderão elevar o ego do produtor que, assim, se viu numa posição de destaque, mas a verdade é que, quem tem dinheiro para pagar os vinhos famosos, está muito menos preocupado com a qualidade em comparação com outros vinhos, do que com o facto de poder beber um vinho carregado de história e que até pode servir de índice de status social. No dia a seguir à prova, os que contam para este negócio – os que têm fundo de maneio para comprar vinhos caros – sabem que, ao receber gente em casa, não podem apresentar um branco ou um tinto de uma horta ou courela aqui da terrinha que ficou à frente do château tal e coisa, têm de ter grandes nomes na mesa porque, quem pode, quer também beber rótulos, não quer só qualidade. E, não esqueçamos, essas marcas caríssimas – a Borgonha está cheia delas – chegaram lá porque fizeram um caminho, uma vez que nenhum vinho, a não ser umas maluquices que não merecem conversa, chega a muito caro de um dia para o outro. Em tempos, quando havia Robert Parker, até que era possível, mas, agora? Vamos lá esquecer e falar de coisas sérias. A velha lei da oferta e da procura continua (muito) válida.

Sugestões da semana:

(Os preços foram indicados pelos produtores)

Porto Dalva tawny 50 anos
Região: Douro
Produtor: C. da Silva/Granvinhos
Castas: várias
Enologia: José Manuel Soares
PVP: €240 (em garrafeiras e loja da Granvinhos, em Gaia)
A idade indicada corresponde a uma média das idades dos vinhos incluídos neste lote. A C. da Silva sempre foi conhecida pelos enormes stocks de vinhos velhos que tem em cave.
Dica: vinho de sobremesa, muito rico de aromas, enorme estrutura de boca, final magnificamente longo. Vale cada cêntimo. Dir-se-ia mesmo que é muito barato.

Caves Velhas Arinto Garrafeira branco 2018
Região: Bucelas
Produtor: Enoport
Casta: Arinto
Enologia: Nuno Faria
PVP: €12,65
O vinho terminou a fermentação e estagiou 2 meses em barrica e depois mais um ano em garrafa. Os Garrafeira brancos existiram há muitos anos e foram agora recuperados com novo conceito.
Dica: muito bom conjunto, com fruta citrina madura e com acidez notável a dar vida ao vinho. A beber agora e a guardar.

Filhos de Provezaide branco 2022
Região: Douro (Provesende)
Produtor: Cândido Lima Tojal
Castas: Rabigato, Gouveio e Viosinho
Enologia: Carolina e João Tojal
PVP: €35,50
O mosto fermentou em inox e barricas novas e fez estágio nas barricas durante 9 meses. Foram cheias 1293 garrafas e 220 magnuns. Os enólogos são os filhos do criador do projecto Provezaide, entretanto «convertidos» ao vinho. Rótulo bem conseguido, ao estilo vintage.
Dica: conjunto muito elegante, com leve mas acertada presença da madeira no palato. Resulta fino, muito boa acidez, delicado mas muito atractivo também.

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