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No Pico ainda se fazem vinhos assim

Um Czar que merece uma vénia

Sobre os vinhos dos Açores muito se tem escrito mas a verdade é que a região bem merece o protagonismo. Por um lado é historicamente uma região bem mais rica do que se possa pensar e muito do que sabemos sobre os primórdios da vitivinicultura deve-se a Gaspar Frutuoso (1522-1591), um intelectual que também era padre e que nos fornece a informação mais antiga sobre o vinho e as castas da região. Em tempos remotos o Pico era a ilha do vinho, tal a área de vinha que se estendia por milhares de hectares. A ilha divide-se em duas zonas bem distintas, uma desarborizada onde estão os currais das cepas (toda a zona que tem a ilha do Faial em frente) e outra na direcção oposta, muito arborizada e a lembrar a Madeira. Foi nessa zona perto da povoação da Madalena que estão as vinhas (Criação Velha) que foram objecto de classificação da UNESCO como Património da Humanidade, em 2004.

A história do vinho dos Açores pode dividir-se em três períodos: até ao aparecimento do oídio (doença da vinha) em 1852/53 e que dizimou a produção, que terá baixado de 10 milhões de litros para 25 000 litros; a filoxera, duas décadas mais tarde, acabou com o resto e a produção vitivinícola entrou em modo residual, que se manteve até à classificação da UNESCO. Os subsídios criados após a classificação (que poderiam chegar aos €20 000 por hectare) foram um incentivo para que se recuperassem as castas brancas autóctones – Arinto dos Açores, Verdelho e Terrantez do Pico – e as vinhas antigas que estavam já cobertas de vegetação mas onde, lá por baixo e inacreditavelmente, se mantinham os antigos muros. Um mistério, se pensarmos que os tais muros eram apenas pedra sobre pedra, sem qualquer massa que os unisse. Desmatar, replantar com castas antigas e recuperar os vinhos clássicos foi a tarefa a que alguns produtores se dedicaram, optando (como no caso da então criada Azores Wine Company – AWC) por um pagamento por quilo de uva que multiplicava por muito o que era a prática até então. Foi aí que começou a explosão que recolocou a área de vinha, actualmente, em números já significativos (cerca de 1100 hectares, contra 450 na Madeira, por exemplo). Ao lado dos vinhos tranquilos que, em muito menor quantidade, também se produzem em várias outras ilhas, o Pico tornou-se famoso pela produção de um licoroso seco, quer na Cooperativa Vitivinícola do Pico quer em produtores particulares, como o caso de Fortunato Garcia que criou a marca Czar.

O entusiasmo pelos brancos locais já levou a que uma nova geração surgisse, entusiasmada e já com marcas no mercado. Muito boas notícias. Em recente visita à ilha pude revisitar os vinhos da Cooperativa, os novos vinhos da AWC e de dois produtores já no mercado há vários anos – Tito Silva – que tem a marca Tito’s (distribuição pela Sogrape) e Paulo Machado cujos vinhos – marca Ínsula – são distribuídos pela Decante. Em todos é notória a aposta nas castas tradicionais e na preservação do licoroso do Pico, uma verdadeira relíquia que desafia o conhecimento livresco sobre fermentação. Já lá vamos.
Fortunato Garcia (FG) divide a sua atenção entre a escola onde lecciona, a banda que há muito anos tem e onde é vocalista e animador, «temos reportório para mais de 3 horas seguidas, desde os Doors até aos Xutos» e a produção do licoroso, herança que recebeu do pai e que apostou em continuar. São vinhos feitos de Verdelho e que conseguem o «milagre» de chegar aos 20º de álcool sem adição de aguardente, isto quando a ciência diz que as leveduras morrem a partir dos 17º de álcool! Mas, diz Fortunato, «elas aqui são danadas, às vezes nem com sulfuroso as abatemos». É um vinho cheio de variações de ano para ano, sempre com arestas que, digo eu, não é suposto serem limadas. Um vinho autêntico, original e raro, que é preciso aprender a apreciar. Tão raro que vai ser lançada agora a edição do Último Czar do século XX, como FG lhe chamou, da colheita de 1999, oriundo de vinhas da Criação Velha com uma produtividade «ridícula» de 300 kg/ha (12 a 15 000 kg/ha em Champagne…).

O produtor tem uma gama alargada de vinhos mas este é uma raridade (86 garrafas) a comercializar a partir de Janeiro, é apresentada numa embalagem de superluxo, ao preço de €7500 por garrafa. Um vinho fabuloso, muito focado no lado salgado, na secura contida, nos aromas iodados, na rusticidade que lhe aporta originalidade. Ah, é verdade, quem se candidatar agora terá um desconto…

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