Dizer que temos uma garrafa em casa não chega Um dos vinhos que seleccionei esta…
Tramados pelas pragas
O clima vinga-se como pode
Na hora dos balanços da vindima nem todas a notícias são boas. Quem passou na semana que agora acaba na zona do Vale da Vilariça, ou seja, no Douro Superior, não tem boas notícias para dar. A região corresponde a uma extensa planície, coisa rara na região duriense e ali estamos, não em monocultura mas em bicultura, uma vez que além da vinha é a oliveira que também marca forte presença. A propósito diga-se que, para um leigo, o que se vê nas oliveiras deixa alguma esperança na colheita deste ano: árvores carregadas, fruta sã, tudo o que se pode esperar de bom, caso o clima não pregue nenhuma partida como pregou este ano aos produtores de uva. Estava tudo a correr maravilhosamente até que chuvas agressivas e espaçadas no tempo deitaram a perder aquilo que se dizia que ia ser um ano e tanto. Mas a paisagem na Vilariça revela a todos os passantes a desgraça que ali aconteceu, especialmente dramática para os produtores que seguem um caderno de produção biológica: um ataque demolidor de um insecto (cicadela) que seca a planta através do ataque à folha e impede a fotossíntese. O resultado está à vista na Vilariça mas, como nos informaram, em muitas outras vinhas do Douro Superior: a cor da vinha é agora castanho escuro parecendo ter sido queimada, e a produção foi zero. Algo insólito é ver-se, mesmo ao lado, uma outra vinha com a coloração habitual nesta altura do ano: umas folhas ainda verdes e outras que começam aos poucos a caminhar para o castanho. O porquê da diferença é fácil de explicar; numa vinha aplicou-se tratamento com insecticida e na outra não, uma produziu uvas e a outra nada. Este bicho, que só recentemente chegou ao Douro mas com créditos de larga destruição noutras zonas, como o Alentejo, gosta de climas quentes e noites com pouca variação de temperatura, algo que este ano foi especialmente sentido na região. Fica assim um dilema por resolver: ou sulfato ou perco tudo, decisão dramática para quem apostava em vinho de menor intervenção e com ausência de pesticidas. Mesmo quem pratica viticultura bio está obrigado a tratamentos contra uma outra praga dramática, de seu nome flavescência dourada. As CVR’s publicam datas dos tratamentos e eles são obrigatórios e há mesmo alguns produtos que servem para combater ambas as pragas. Cada vez é mais difícil pensar que se faz vinho sem intervenção. A narrativa é boa, a história é bonita mas a realidade encarrega-se, infelizmente, de nos dizer que, com as alterações climáticas, o objectivo bio está cada vez mais localizado e não é método de uso geral.
O ano vai assim dividir-se em dois momentos bem separados: os vinhos feitos antes das chuvas, onde estão incluídos os brancos, rosés, uvas para espumante e muitos tintos e, depois, as uvas que se destinariam aos melhores vinhos do Porto, aos grandes tintos e que os produtores agora pouco podem esperar delas. «Estava tudo a correr tão nem, as uvas estavam lindas e prometiam um ano espectacular», ouvimos de um enólogo que, com ar desolado concluiu, «as últimas uvas chegaram à adega já tudo em papa, mal dava para prensar». Isto de ter empresas a céu aberto está cada vez mais complicado!
Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)
Mamoré de Borba rosé 2022
Região: Alentejo
Produtor: Sovibor
Casta: Touriga Nacional
Enologia: António Ventura
PVP: €16,98
Solos de xisto. Uvas levemente prensadas e vinificadas a baixa temperatura. Estágio de 5 meses em barrica usada e 5 em talha de barro.
Dica: salmonado na cor, aroma de violetas e rosas, uma prova de boca fácil, é seco e mostra muito boa aptidão gastronómica.
Coelheiros tinto 2021
Região: Alentejo
Produtor: Herdade de Coelheiros
Castas: Touriga Nacional e Touriga Francesa
Enologia: Luis Patrão
PVP: €11
Vinha em solos graníticos e argilosos. O vinho estagiou 1 ano em madeira. Produziram-se 55 000 garrafas e 3 000 magnuns.
Dica: boa combinação de fruta e notas vegetais, com a madeira em fundo. Polido na boca, de prova fácil, é tinto prazenteiro e consensual. Bem para o preço.
Pintas Character tinto 2021
Região: Douro
Produtor: Wine & Soul
Casta: variadas em vinha velha
Enologia: Wine & Soul
PVP: €30
As vinhas estão no vale do rio Pinhão, em Vale Mendiz. A fermentação decorreu em lagar com pisa a pé e o vinho estagiou depois em barrica por um ano e meio. Foram produzidas 31 000 garrafas, 510 magnuns e 30 de três litros.
Dica: muito limpo e fresco na fruta vermelha, com uma elegância cativante que passa do aroma para o palato. Um tinto com preço ajustado à excelente qualidade que tem.
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