Dizer que temos uma garrafa em casa não chega Um dos vinhos que seleccionei esta…
Explorar novos terrenos
A esperança é a última a morrer
É sempre bom verificar que há novos projectos no sector do vinho, como dois dos vinhos que hoje sugiro. Após uma autêntica tempestade que nos últimos meses varreu o mundo vínico e em que se verificou uma reviravolta em várias empresas que mudaram de mãos, começa a ser difícil acreditar que os projectos de pequena dimensão também têm lugar à mesa. Tudo isto parece um pouco contraditório. Por um lado, somos um país de elevado consumo – é verdade que se sabe que o turismo também faz aumentar o consumo per capita – o que nos poderia levar a pensar que haveria lugar para todos; por outro, vemos empresas a mudar de mãos com demasiada frequência, por óbvias dificuldades financeiras. Os negócios regem-se por regras próprias e o do vinho não é diferente. Sabemos também que a esmagadora maioria dos consumidores se abastece apenas nas grandes superfícies e que é o vinho barato que faz rodar as marcas. Digo barato mas por vezes dever-se-ia dizer ridiculamente barato, com valores que dificilmente pagam os «secos»: a garrafa, o rótulo, a rolha, a cápsula, o selo, a caixa de cartão, o transporte e a mão de obra. Feitas as contas, num vinho que aparece na prateleira a €1,90, sobra quanto para o produtor? 20 cêntimos? 15 cêntimos? Ora isso não paga, nem a vindima e apenas ajuda a escoar stocks. Um produtor que não queira embarcar nesta «máquina trituradora» irá muito provavelmente chegar à próxima vindima com a adega cheia e um enorme problema por resolver: que farei eu com este vinho que não vendi, agora que tenho uma nova vindima à porta? As colheitas com alguma abundância, como esta que agora terminou, são uma faca de dois gumes: uma bênção de Deus (dirão as pessoas do campo) mas também um desastre anunciado, uma vez que vêm agravar o que já está a correr mal: o excesso de vinho em várias regiões, assunto já aqui referido e que tende a assumir foros de tragédia. No Douro não se fala noutra coisa, na Bairrada correram pelas ruas 2 milhões de litros numa cheia nada habitual e algo irónica, no Alentejo fala-se em três colheitas em casa por vender.
Percebe-se cada vez melhor que os pequenos projectos têm os dias contados e isso é uma tristeza, num país que produz vinho há séculos. As propriedades de família, em que o vinho era elemento agregador e onde, nas festas, era à volta de uma garrafa com o selo da casa que se activavam memórias e tradições, essas famílias vão, chorosamente, ver as suas quintas e courelas serem vendidas a grandes empresas, a Fundos e a conglomerados que só olham para o vinho via Folha Excel.
Mas convém não desesperar e acreditar que os pequenos também têm lugar neste concerto. Uma coisa tem, no entanto, de acontecer: os projectos podem ser pequenos mas, além de obrigatoriamente lhes ser exigido muita qualidade e serem diferenciadores, têm de ser profissionais, projectos onde nada é deixado ao acaso e onde exista uma vontade férrea de mostrar o que se faz, aqui e lá fora. Não sendo de todo possível concorrer com as grandes superfícies, ser pequeno tem de significar ser grande, ousado, lutador, sem cedências na qualidade. E, se for preciso, com sulfuroso, uma vez que não há vinho a perder…
Sugestões da semana:
(Os preços referem-se à Garrafeira Empor, em Lisboa)
Textura da Estrela branco 2021
Região: Dão
Produtor: Textura Wines
Castas: Encruzado, Bical, Cerceal-Branco
Enologia: Luis Seabra/Mariana Salvador
PVP: €22,10
Resulta de uvas de três parcelas na sub-região da serra da Estrela com solos graníticos. O mosto fermenta em tonel e barrica onde estagia 11 meses sobre borras.
Dica: fruta madura, revela alguma austeridade atractiva. Muito bom o equilíbrio na boca, acidez a cumprir, um branco muitíssimo gastronómico.
Monte da Penha Verónica branco s/ data
Região: Alentejo Portalegre
Produtor: Francisco Fino
Castas: Arinto, Fernão Pires, Roupeiro e Trincadeira das Pratas
Enologia: Francisco Fino/Susana Esteban
PVP: €26,15
A família Fino foi, em tempos, proprietária da Tapada do Chaves. Este branco resulta de um lote de 3 colheitas (2018, 19 e 20). Produção de 4028 garrafas.
Dica: tem toda a atracção dos brancos que evoluíram bem, com um toque sério, mineral e pouco falador mas muito rico de aromas e sabores maduros. A conhecer!
Figueira Coriga Grande Reserva tinto 2018
Região: Alentejo
Produtor: Figueira Coriga Vinhas de Borba
Castas: Aragonez e Touriga Nacional
Enologia e Viticultura: João Mourinha, proprietário
PVP: €29,90
Projecto familiar com raízes muito antigas na região alentejana, em Borba, onde está localizada a propriedade. A vinha tem 11 anos, o vinho estagiou 2 anos em barrica e 6 meses em garrafa. 1800 garrafas.
Dica: muito expressivo de aromas, sem peso excessivo da madeira, é um tinto polido e muito equilibrado, pronto a beber desde já e por vários anos.
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