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Jogar às escondidas

A continuar assim não vamos longe

Vivemos actualmente, vinicamente falando, numa situação algo paradoxal: por um lado há muito vinho por vender, tal como já referi em anterior (e recente) crónica, com muitos produtores a terem duas colheitas em casa e, por outro lado, não param de surgir marcas novas que nos dariam a ideia de uma enorme pujança do sector. Devo confessar que a explicação não é fácil e a racionalidade subjacente, ainda mais difícil de entender. Todos os meses surgem marcas novas de vinhos ainda que não correspondam sempre a produtos totalmente novos. Veja-se: um produtor tem uma marca que «não pegou» e que o consumidor não aderiu. As razões podem ser de variado tipo, desde o próprio nome do vinho, o rótulo e a letra usada, as cores, o formato da garrafa, o peso da mesma, o tipo de papel usado; creio que em plano secundário poderão surgir outras razões como a região, a casta ou o produtor. Uma das soluções possíveis é acabar com a marca (diz-se «descontinuar»…) e criar uma marca nova para a qual até pode ser usado o mesmo vinho ou outro muito parecido: procura-se assim dar um ar mais fresco à marca, mais descomprometida, menos séria, apelando dessa forma a novos consumidores. Quando se trata de escoar produto, deita-se mão de todas as técnicas de venda que ajudem ao negócio. E se há marcas que se fizeram por si sem suporte promocional evidente (caso do branco Planalto, da Sogrape) outras entraram no gosto do cliente à custa de pesados investimentos em patrocínio de eventos desportivos, como foi, durante anos, o caso da marca Porta da Ravessa. Outras houve que beneficiaram do acerto do nome que arranjaram para o vinho – caso do Papa Figos – um caso de estudo pela escalada incrível do número de garrafas ano após ano. Como nem todos têm a sorte de acertar no alvo, a promoção tem de ocupar muito do tempo e dos «nervos» do produtor. Ora (e é aqui que começa a estranheza) muitos produtores, seguramente na sequência de uma qualquer epifania, acham que o seu vinho se vai vender por si e que a qualidade do que está dentro da garrafa é factor bastante para o sucesso da marca. Não é, lamento! Provavelmente deveria ser assim, um bom ou grande vinho nascia e tornava-se famoso pela qualidade que apresentava mas isso não acontece dessa forma. Ao produtor resta assim a solução de se mostrar, de dar a conhecer o seu vinho, de o dar a provar, de o enviar para concursos onde possa ter uma medalha que depois ajude nas vendas. Por aí. Mas a realidade não é isso que nos conta. Regiões como Trás-os-Montes, Beira, Dão, Bairrada, Tejo, Lisboa, Setúbal e Algarve optam por não mostrar os seus vinhos. As excepções existem mas são tão poucas que não escondem o marasmo a que estas regiões se remeteram. Ao contrário, quer o Douro quer o Alentejo têm um bom punhado de produtores que dão a provar as novas colheitas, que mostram o que de novo andam a fazer. Não se estranhe por isso que a selecção de vinhos desta coluna incida frequentemente naquelas regiões, uma vez que se baseia nos vinhos enviados para prova e não em produtos adquiridos no mercado. O jogo das escondidas era uma brincadeira de infância. Usá-lo como modelo de negócio é, no mínimo, discutível.

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Soalheiro Primeiras Vinhas branco 2022
Região: Monção e Melgaço
Produtor: Vinusoalleirus
Casta: Alvarinho
Enologia: equipa dirigida por António Luis Cerdeira
PVP: €18,50
Parte das uvas vêm das primeiras vinhas plantadas (1974) a que se juntam outras de alguns dos 150 lavradores que são fornecedores de uvas. Feito em inox com 15% do mosto a fermentar em madeiras de vários tipos.
Dica: tem a frescura citrina que lhe reconhecemos sempre, amplo no palato e com perfeita acidez. Tradicionalmente é vinho para se manter com saúde até 15 anos.

Manoella branco 2022
Região: Douro
Produtor: Wine & Soul
Castas: Gouveio, Viosinho, rabigato, Códega do Larinho
Enologia: Wine & Soul
PVP: €13,50
A vinha, com mais de 50 anos, está virada a norte em solo granítico. Vindima a 18 Agosto, o mostro fermenta em inox e aí estagia sobre borras finas durante 8 meses. 34 000 garrafas e 500 magnuns.
Dica: bom equilíbrio entre frescura e corpo, a mostrar enorme aptidão gastronómica para pratos de peixe ao sal ou bivalves à Bulhão Pato.

Murças Reserva tinto 2017
Região: Douro
Produtor: Murças
Castas: várias, plantadas em 1980
Enologia: José Luis Moreira da Silva
PVP: €25
Viticultura em protecção integrada, vinhas a poente. Uvas pisadas e fermentadas em lagares de pedra e posterior estágio de 18 meses em barricas usadas.
Dica: bom equilíbrio entre concentração de cor, de estrutura e de fruta madura, servido depois por boa acidez. Belo conjunto, portanto.

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