Devagar que tenho pressa Quando assistimos ao arranque de um novo projecto de vinhos, sobretudo…
A tentação do bio…
E o modelo à portuguesa
Os três vinhos que sugiro esta semana têm entre si um factor comum: são bio, ou orgânicos, como se quiser chamar. De facto, nos rótulos ou contra-rótulos aquelas duas designações são usadas indistintamente. No fundo são vinhos que cumprem determinadas regras da produção, de acordo com normas europeias e certificadas por entidade competente. Actualmente há cada vez mais aceitação, por parte do consumidor, de produtos (e, claro, vinhos) que cumprem regras de respeito ambiental, com menor recurso a químicos. No entanto, por trás desta boa vontade, esconde-se um universo muito complexo e muito desencorajante para quem, à partida, estaria disposto a entrar neste grupo. Repare-se neste exemplo: um produtor de vinhos tem uma parcela que quer avançar para a produção bio certificada mas… não pode! Porquê? Porque, para ser bio, toda a produção, de todas as parcelas, tem de ser bio, não pode haver uma parcela bio e outras não. Temos então que, debaixo de um mesmo nº de contribuinte, é tudo ou nada. O absurdo disto é que uma das parcelas pode ser em Bucelas e outras no Douro mas, se estiverem sob o mesmo número, não podem ter certificação. Parte, o legislador, do princípio que, assim, é mais fácil fiscalizar a contabilidade para verificar se comprou produtos não autorizados. O que o legislador se esqueceu é que a imaginação está mais avançada que a lei e esta situação levou a que alguns produtores tenham criado empresas novas que só gerem as parcelas bio, mantendo as outras que gerem as vinhas convencionais. Cumpre-se assim a ideia peregrina que sugere: se podemos complicar, para quê simplificar? Depois há outra situação, não menos confusa: uma empresa do Douro fez um vinho rosé bio mas toda a restante produção da quinta não é bio; fomos indagar e a resposta é transparente: todas as uvas do rosé são compradas fora, são de produção bio e, assim, já se pode colocar no rótulo a «indicação mágica». Fica o consumidor na dúvida como é que um é bio o resto não. Temos ouvido queixas e lamentos de produtores, do Alentejo ao Douro, que afirmam que, com estas leis, é muito complicado caminhar na direcção bio. Esperar que toda a empresa esteja a cumprir os procedimentos, quando se sabe que são imensos os riscos que se correm quando se envereda por este tipo de produção, pode ser um convite à aldrabice: as uvas não falam, não dizem de onde vieram e, mesmo que eu tenha fotos no instagram com galinhas na vinha e ovelhas a adubar a terra, posso sempre comprar uvas ao vizinho e fazer depois um discurso de perfil alternativo que, alguns aceitarão piamente e, outros, um pouco mais inteligentes, registarão a informação sem embandeirar em arco. A produção bio não é uma panaceia que tudo resolve e obriga a uso desmedido de cobre e enxofre, dois produtos que estão longíssimo de ser amigos do ambiente e do solo. Por essas e por outras é que aplaudo sonoramente um produtor que me disse: «sigo os princípios, acabei com herbicidas e procuro usar produtos naturais. Mas, na hora da verdade, e se for preciso, ataco o míldio e oídio à força toda! É que não posso perder a produção, à conta de umas crenças!» E estes vinhos, são melhores por serem bio? E nota-se a diferença? Prove e ajuíze por si.
Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)
Quinta do Cardo Grande Reserva branco 2021 (organic)
Região: Beira Interior (Castelo Rodrigo)
Produtor: Agrocardo
Casta: Síria
Enologia: Jorge Rosa Santos/Rui Lopes
PVP: €35
Deste branco fizeram-se 3 300 garrafas. Parte do vinho fermentou em barrica nova e aí estagiou mais um ano.
Dica: excelente definição da casta, traços minerais e de vegetal seco. Fino e elegante na boca, perfeita integração da madeira.
Quinta das Alvaianas Colh. Selecc. branco 2020 (biológico)
Região: Reg. Minho
Produtor: Alvaianas
Casta: Alvarinho
Enologia: José Gonçalves
PVP: €13
Produzido na zona de Melgaço. É Regional porque a graduação (14,5%) ultrapassa os limites impostos pela legislação para os Vinhos Verdes.
Dica: aroma cheio, fruta bem madura, leve nota tropical. Redondo e volumoso na boca, um branco que deve ser consumido bem fresco, com peixes gordos.
Esporão Colheita tinto 2022 (biológico)
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Esporão
Castas: lote de sete castas
Enologia: Sandra Alves e João Ramos
PVP: €10
As vinhas têm cerca de 15 anos. Vinificação com as castas misturadas e estágio em cuba de betão. Toda a produção da herdade é agora bio.
Dica: muita frescura aromática, com fruta vermelha bem viva. Alegre e vivaço na boca, um vinho para beber desde já, seguramente convivial à mesa.
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