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Mudar e arriscar sim, mas…como?

Todos à procura, lá e cá

Um dos vinhos que sugiro hoje, um belíssimo tinto da região espanhola de Toro, levanta algumas questões curiosas que merecem conversa. O perfil do vinho – denso, cheio, volumoso, escuro, alcoólico e com muita madeira – é um bom exemplar daquilo que em tempos se chamou o «estilo Parker», sabendo-se que ao crítico americano Robert Parker (agora retirado) se associavam tintos com este calibre porque, dizia-se, era como Parker gostava. Não era totalmente verdade mas o que aconteceu foi que algumas regiões vinícolas que ele privilegiava em termos de prova – Bordéus e Côtes-du-Rhône, mas também Califórnia – começaram nos anos 80 a modificar o seu estilo tradicional na esperança que uma nota milagrosa (talvez um 99 ou, quem sabe, um 100), pudesse trazer fama, glória e muito vinho vendido a bom preço. Para se «parkerizar» um tinto era preciso deixar mais tempo as uvas tintas na vinha para ganharem mais açúcar e ficarem com taninos mais macios; isso ia implicar vinhos mais alcoólicos, mais fácies de beber em novos e que, de seguida, eram passados em madeira nova, ganhando um forte carácter boisé. Tínhamos então um «caldo» onde se juntava muita madeira, muito álcool, muita cor, muita extracção e, também, muito cansaço de prova; ao segundo copo os vinhos já enjoavam. Andámos nisto mais de 20 anos e por muito que alguns críticos ingleses, desde sempre amantes dos vinhos de Bordéus de perfil clássico, criticassem o guru americano, a verdade é que os produtores bordaleses perceberam que aquela era a moda que os levaria ao sucesso. E levou mesmo, com os preços a atingirem níveis nunca vistos. Foi também a época em que sugiram os primeiros «vinhos de garagem», feitos em quantidades microscópicas que, por força das classificações Parker, se tornaram verdadeiros mitos. O que ficou mais famoso foi o tinto Le Pin, em Pomerol, vendido ainda hoje a preço de ourivesaria. Mas Parker retirou-se e mudaram os ventos. Os vinhos de Bordéus procuraram então novos caminhos: menos extracção, menos cor, menos madeira, mais pureza de fruta; o álcool não baixou tanto como seria de esperar e, por força de melhor tecnologia, os taninos macios tornaram os vinhos bebíveis mais cedo. Neste retorno ao perfil mais clássico não houve só virtudes e os vinhos ficaram todos muito parecidos, que é a situação actual. Como aqui referi há alguns meses, na prova que fiz em Londres em Novembro, foi evidente que entre vinhos de 30 ou 40€ e outros de 100 ou 120 não existe uma diferença evidente. É assim cada vez mais difícil identificar perfis próprios deste ou aquele château. Há os monstros sagrados mas esses custam muitas centenas de euros cada; no contingente geral percebe-se que ainda não se conseguiu definir bem a era pós-Parker. Cada passo, cada mudança tem de ser muito bem pensada porque a «folha Excel» não perdoa e, como é de milhões de euros/ano que estamos a falar, há que escolher bem o caminho. Voltando ao nosso Numanthia, não parece que haja grande vontade de mudar: este é o estilo, quem não gostar passe ao lado e faça outra escolha. Assim é que é, nuestros hermanos não vão em cantigas…

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Espumante Quinta do Boição Reserva branco 2019
Região: Bucelas
Produtor: Enoport
Casta: Arinto
Enologia: Nuno Faria
PVP: €19,99
A quinta fica situada na região de Bucelas. O vinho estagiou 1 ano em cave sobre borras antes do dégorgement. Resultou um vinho com 12% de álcool e do qual se fizeram 7091 garrafas.
Dica: a fruta citrina madura e com algum peso aconselham-no para a mesa onde será perfeita companhia para peixes em caldeirada ou com molho maionese.

Munda Phoenix tinto 2018
Região: Dão
Produtor: Fontes da Cunha
Castas: Alfrocheiro, Baga, Jaen, Tinta Roriz e Touriga Nacional
Enologia: Joana Cunha
PVP: €45 (Distribuição – Direct Wine)
O vinho estagiou 2 anos em barricas, das quais 50% eram de madeira de primeira utilização. Apenas se produziram 3000 garrafas.
Dica: bastante aberto na cor, aroma franco de fruta madura mas com perfeita integração da madeira; bons aromas vegetais, notas de pinhal, de casca de árvore, que o tornam especialmente gastronómico. Absolutamente consensual.

Numanthia tinto 2017
Região: Toro (Espanha)
Produtor: Bodega Numanthia
Casta: Tinta de Toro
PVP: €52,50 (El Corte Inglés)
Vinhedos em taça, de sequeiro, com idades entre os 50 e 120 anos. Estagiou 18 meses em barrica, sendo 60% madeira nova. Apto a veganos.
Dica: tinto robusto, com muita madeira mas cheio de classe. Afastado das modas actuais, mantém-se fiel ao perfil dos grandes tintos desta região. Decantação obrigatória (tem muito depósito) após algum tempo em pé.

 

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