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A era dos vinhos glu-glu

Ligeiros mas não magricelas

O assunto já por aqui foi tema. Os ventos da moda correm agora a favor dos vinhos abertos de cor, ligeiros no corpo e muito fáceis de beber. Por isso mesmo são os vinhos que apelidamos de glu-glu, conviviais, descontraídos e refrescantes. Como e porquê se chegou aqui pode dar tema para imensas conversas à volta da mesa. Estou em crer que esta nova moda surge por reacção, por antinomia à moda que varreu o mundo dos vinhos durante uns bons 20 anos – a chamada era Parker. O célebre crítico de vinhos americano – Robert Parker, entretanto retirado – criou uma moda que ia a jeito do seu gosto pessoal: vinhos muito carregados de cor, com muita extracção, muito álcool e muita madeira nova. Eram vinhos que alguém (que não recordo o nome) chamou de «vinhos After-Eight», ou seja, com notas de chocolate, de mentol, doces e, claro, cansativos ao final do primeiro copo. O exagero chegou depois às barricas quando, após um primeiro ano em barrica nova, se voltava a colocar o vinho de novo em barrica nova, ou seja, 200% de barrica. A moda pegou em Espanha e espalhou-se. Durou o que durou e modificou perfis tradicionais, como foi o caso dos tintos de Bordéus. Depois, por reacção, os produtores começaram a procurar outras coisas e chegámos então à situação actual em que, ainda que os tintos carregados e densos não tenham desaparecido, surgiram novos vinhos a contrario dos anteriores: tudo a menos, cor, álcool e madeira. Ora isto foi a oportunidade que as nossas castas antigas estavam à espera. Por si, a grande maioria tinha pouca cor, eram delgadas de corpo e, por isso, condenadas ao ostracismo na era Parker mas, muito justamente, foram reabilitadas agora. Uma das primeiras a ser reavaliada foi a Bastardo, uma casta muito antiga no Douro e que sempre produziu vinho com muito pouca cor. Creio que o primeiro varietal terá sido na Quinta do Côtto, nos anos 70 e 80, ainda que com um perfil muito diferente e distante dos actuais Bastardo. Hoje são vários os produtores que a têm no portefólio. Ao lado da Bastardo foram surgindo outras, também «descoradas» mas que dão vinhos de grande interesse gastronómico, como a Mourisco, Malvasia Preta, Cornifesto, Tinta Francisca, entre outras. A selecção desta semana aponta para estes vinhos abertos e fáceis e dois deles apelidam-se de Clarete, uma designação que tinha quase caído em desuso e que pode também ser confundida com Palhete. Em ambos os casos, a legislação fala de vinhos de pouca cor e/ou pouca extracção, com o Palhete a poder ser (mas não necessariamente) resultado da fermentação conjunta das uvas tintas e brancas, desde que as brancas não excedam 15% (vá lá saber-se porquê…). Este designativo era corrente na época dos nossos pais e António Silva, no filme O Pátio das Cantigas, deliciava-se com «este tinto apalhetado!». Vivemos então agora na época em que muitas castas podem conhecer um renascimento. São muito mais do que imaginamos e isso é claro nos tintos que exclusivamente têm origem em uvas de vinhas muito velhas: nunca são muito carregados de cor, nunca são pesados e o produtor, para respeitar as uvas que tem, não pode nem deve usar e abusar da barrica nova. A pergunta do milhão é, claro, o que virá a seguir? Era bom saber porque entre plantar uma vinha e começar a ter vinho passam 4 a 5 anos. Dava jeito ter uma dica…

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Dona Sancha Vinha da Avarenta Clarete 2021
Região: Dão
Produtor: Quinta Dona Sancha
Castas: Touriga Nacional. Jaen, Tinta Pinheira, Alfrocheiro e Baga
Enologia: Paulo Nunes
PVP: €17
Deste vinho fizeram-se 4000 garrafas. Informa o produtor que deverá ser consumido até à Primavera. As uvas são pouco prensadas e vinificadas sem as películas, daí esta cor rosada.
Dica: vinho intensamente gastronómico, saboroso, fácil de gostar, leve e muito agradável. Beba-se ligeiramente refrescado.

Quinta do Côtto Bastardo tinto 2021
Região: Douro
Produtor: Montez Champalimaud
Casta: Bastardo
Enologia: João Grave
PVP: €45
A vinha tem 50 anos, situa-se no Baixo Corgo perto da região dos Vinhos Verdes. Foi feito em lagar de inox e metade teve estágio em madeira usada. Produzidas 1067 garrafas.
Dica: muito pouca concentração de cor, aroma vegetal bem atractivo. Rico de sabor na boca, suave, é um vinho de intensa vocação gastronómica.

Pontual Clarete 2021
Região: Sem Denominação de Origem
Produtor: Comp. de Vinhos do Alandroal
Castas: Touriga Nacional e Verdelho (casta branca)
Enologia: Paolo Nigra
PVP: €7,99
As uvas brancas e as tintas fermentaram em conjunto, em inox, a uma temperatura relativamente baixa para preservar os aromas primários; segue-se o engarrafamento. Tem 11,5% de álcool.
Dica: muito aberto de cor, aromas jovens de fruta vermelha, leve na boca, alguma doçura residual. Para pratos leves como massas e pizas.

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