Dizer que temos uma garrafa em casa não chega Um dos vinhos que seleccionei esta…
Será que precisamos delas?
São estrangeiras, mas…serão boas?
Com muita frequência ouvimos dizer que somos um país muito rico em castas de uvas. É verdade mas não somos só nós. Todos os países da bacia da Mediterrâneo, indo até à Croácia e mesmo até à Arménia se orgulham das suas castas autóctones. O nosso orgulho é maior porque somos um país pequeno e o número de castas é de tal maneira elevado (a rondar as 250) que faz de nós, atendendo à área, o país com maior número de castas próprias. Se há assunto onde durante décadas (ou mesmo séculos) reinou a total confusão foi o nome das castas e a sua sinonímia noutras regiões, ou mesmo noutros países. As castas, tal como os homens, viajam e foram passando de terra em terra. Foi assim, por exemplo, que as castas francesas «voaram» até à América do Sul, à Austrália ou à África do Sul. Cá também chegaram algumas castas vindas de fora, que por aqui se deram bem e resolveram ficar. Esta história vem a propósito de um vinho que selecciono hoje, uma novidade acabada de ser apresentada, um Pinot Noir do Dão. A pergunta que salta de imediato é a seguinte: mas o que é que faz um Pinot Noir, casta emblemática da Borgonha, na região do Dão? E o que é que o Dão ganha com isso? Às duas questões pode-se responder: nada! No entanto, se escavarmos um bocadinho encontramos uma história que merece ser contada. A casta existe na quinta da Passarella há muitos, muitos anos, ainda que a vinha que deu origem a este vinho tenha sido plantada apenas em 2008. A maturação no Dão é lenta e este ano acabaram-se vindimas a 11 de Outubro mas a Pinot Noir é uma variedade muito precoce e era então usada para fazer um pé de cuba. Trata-se de uma prática muito antiga em que se fazia uma fermentação com muito pouca quantidade de uvas. Quando elas começavam a fermentar entrava-se em «estado de guerra» entre as várias estirpes de leveduras que vinham com as uvas; as leveduras, muito longe de grande camaradagem, matam-se umas às outras e têm um «killer factor» que faz com que umas sobrevivam e outras não. O problema é que nunca sabemos se as que resistem mais são as boas ou as más. A moderna ciência, para ultrapassar isso, selecciona leveduras de boa qualidade que vão, assim, assegurar uma boa fermentação. Desta forma, usar levaduras seleccionadas, longe de ser uma «traição à natureza» é tão só dar às uvas o que elas precisam de melhor para fazerem o seu trabalho. O pé de cuba juntava-se então ao restante mosto e o arranque da fermentação era mais fácil. Em homenagem a esses tempos antigos a Passarella reeditou o Pinot Noir com o cuidado de o fazer com algum engaço para que os aromas se afastassem do frutadinho de morangos e framboesas que, com frequência, surgem nos vinhos de Pinot Noir. O resultado é um Borgonha português? Não propriamente, mas é uma excelente tentativa de domesticar uma das castas mais fáceis e mais difíceis de trabalhar. Diga-se também que, na Borgonha, há muito, mas mesmo muito Pinot Noir que é pouco mais que vulgar e que só nome da região faz com que seja procurado e bajulado. Esta primeira edição do Pinot da Passarella, a que se seguirão outras, é um belíssimo exemplar. Só isso já nos conforta. A outras castas estrangeiras voltaremos noutras crónicas.
Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)
Duas Quintas Reserva branco 2021
Região: Douro
Produtor: Ramos Pinto
Casta: Rabigato (95%) com apontamentos de Arinto e Folgazão
Enologia: João Luis Baptista
PVP: €21
Por tradição este vinho junta uvas da quinta da Ervamoira com outras da quinta dos Bons Ares. Cerca de 75% do mosto fermenta em inox e o restante em madeiras de diversas capacidades. Estagia depois sobre borras durante 9 meses.
Dica: grande polimento de conjunto, subtil equilíbrio entre fruta madura e notas de madeira. Difícil mesmo é não nos sentirmos «agarrados» por ele.
Passarella O Fugitivo tinto 2019
Região: Terras do Dão
Produtor: O Abrigo da Passarella
Casta: Pinot Noir
Enologia: Paulo Nunes
PVP: €28
Tem origem na vinha plantada no mesmo local da antiga vinha, zona abrigada dos calores do Verão. Por ser de casta não prevista nos Estatutos, não é DOC Dão. Fizeram-se 1413 garrafas.
Dica: aroma rico e complexo onde se juntam notas vegetais e de fruta fresca mas madura. Com pouca cor, resulta elegante e cheio de classe.
Ravasqueira Touriga Nacional tinto 2021
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Soc. Agríc. D. Diniz
Casta: Touriga Nacional
Enologia: David Baverstock/ Vasco Rosa Santos
PVP: €10
O mosto fermenta em cuba durante 10 dias e tem depois um estágio de 6 meses em barricas nova e usadas.
Dica: bom desenho de fruta madura, alguma madeira em fundo, taninos muito finos. Tudo perfeito para consumo imediato. E será polivalente à mesa.
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