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O respeitinho é muito lindo

Pelas uvas e pelo resto

Com muita frequência nos deparamos neste mundo dos vinhos com gostos e manias, tendências e modas. Este assunto já por várias vezes foi aqui abordado. É bom não se pensar que somos imunes às modas porque ao virar da esquina estamos logo a entrar em contradição. Isto vem a propósito do perfil de muitos vinhos tintos que nos estão a chegar para prova. Expliquemo-nos. As tendências do gosto vão evoluindo por oposição e, a seguir a uma moda, surge outra que é o seu oposto. Foi assim com os brancos fermentados em madeira que, há umas décadas, eram verdadeiros destilados de carvalho e que, por oposição passaram nos dias de hoje à quase total ausência de barrica nova. Ficaram os consumidores a ganhar? Ficaram, porque agora é possível perceber a casta ou a região ou o clima porque os vinhos são mais expressivos e mais transparentes. Outra moda foi, em tempos, a excessiva graduação alcoólica dos tintos associada a longo estágio em madeira. Eram os vinhos que costumávamos chamar After-Eight, 15% de álcool (e por vezes mais), madeira à bruta que tudo tapava, um verdadeiro enjoo. Do lado da oposição chegaram os vinhos com pouco grau e pouca cor. Ficaram os consumidores a ganhar? Aqui a resposta é Nim, nem sim nem não, porque a excessiva falta de maturação das uvas, a vindima muito precoce (para ter menos álcool) ou a pouca maceração das películas com o mosto, criou uma geração de vinhos deslavados, sem alma e sem qualquer tipo de complexidade. Consta que alegram alguns consumidores, seguramente com pouco conhecimento de vinhos. A ideia (que se aplaude vivamente…) que o vinho deve exprimir o local de onde vem esbarra então com a nova tendência. Vejamos o caso de duas castas opostas em termos de perfil: a Bastardo e a Alicante Bouschet. A primeira gera vinhos com muito pouca cor, a segunda gera vinhos carregados, exactamente por isso é chamada de casta tintureira. Ora, apesar de ser possível e a enologia actual ter armas para isso, não faz sentido fazer um Bastardo com muita cor ou um Alicante Bouschet que na cor se assemelha a outro vinho de uma casta com pouca cor, à moda de Pinot Noir. Se se pretende fazer um vinho mais ligeiro deve usar-se uma variedade com pouca cor (a intensidade de cor tem uma escala própria) e não uma casta tintureira que depois tem de ser muito bem acompanhada para gerar o que, por natureza, não gera: vinho descorado. Ora esta é uma tendência que temos vindo a assistir, como o tinto que sugiro hoje, ou o mais recente tinto da herdade do Peso (Sogrape) feito com Alicante Bouschet. Muitos outros exemplos se poderiam juntar aqui. Graduações moderadas são bem-vindas até porque os vinhos ganham muito em termos de aptidão gastronómica mas, se queremos respeitar o terroir e as uvas, temos de fazer escolhas. Eu gosto da moda actual da pouca madeira nos brancos e das graduações moderadas nos tintos mas torço o nariz aos exageros. Sim que, tintos do Douro a 10 ou 11% de álcool, ninguém me convence que respeitam o terroir. Podem ser do Douro ou de qualquer outra região do mundo. São vinhos de manias, de modas, de salamaleques. Não são coisas a sério.

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Casa Velha Grande Reserva branco 2019
Região: Douro
Produtor: Adega Coop. Favaios
Castas: Gouveio, Viosinho e Arinto
Enologia: Miguel Ferreira, Filipe Carvalho, Celso Pereira
PVP: €15
Vinhas acima dos 500 metros. Cerca de 90% do vinho estagiou um ano em barricas de primeira e segunda utilização. Fizeram-se 2100 garrafas. A região de Favaios é mais conhecida pelo seu moscatel, cuja produção representa 52% da produção nacional de vinhos licorosos de moscatel.
Dica: em toda a prova se sente a presença da barrica mas a boa acidez equilibra o conjunto. Um branco para peixes com molho de manteiga.

Covela Avesso branco 2021
Região: Vinho Verde
Produtor: Lima & Smith
Casta: Avesso
Enologia: Rui Cunha
PVP: €8
A quinta fica em Baião, em zona limite de transição para o Douro (margem norte); vinhas em terrenos graníticos e uvas vinificadas em inox.
Dica: muito boa frescura ácida, fundo mineral e de pedra molhada, muito bom equilíbrio na boca. Clássico companheiro do Verão.

Poças Fora da Série Vinho da Roga tinto 2020
Região: Douro
Produtor: Manoel Poças Júnior – Vinhos
Castas: Touriga Nacional, Tinta Roriz, Touriga Francesa
Enologia: André Pimentel Barbosa
PVP: €20
Maceração curta do mosto com as películas levou a um vinho aberto na cor. Estagiou 9 meses em barricas usadas. 5333 garrafas produzidas.
Dica: leve no aroma, ligeiro na boca, quase a lembrar um Bastardo, um tinto (com 12% de álcool) alinhado com a nova tendência em voga. Muito bem no conjunto, uma curiosidade onde as castas passam despercebidas.

 

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