Dizer que temos uma garrafa em casa não chega Um dos vinhos que seleccionei esta…
E o álcool, senhores?
Há tendências novas mas também há permanências
Esta semana sugiro três tintos, daqueles que normalmente apelidamos de topos de gama. O conceito sugere, por norma, que estamos perante vinhos caros ou, no mínimo, bem mais caros do que os vinhos que consideramos acessíveis. São por norma vinhos produzidos em quantidades limitadas, porque vender não é fácil e vender os vinhos caros ainda mais difícil. No caso destes três vinhos, temos dois deles com 14% de teor alcoólico e um tinto da Califórnia com 15,5%. A questão do álcool dos vinhos gera sempre muita controvérsia porque há muitos consumidores que torcem o nariz a vinhos com álcool elevado. Com frequência traz-se para a conversa os exemplos de vinhos que foram sempre famosos e que durante muito tempo apresentaram graduações bem mais baixas. Recordo os ultrafamosos Bordéus tintos de 1982 (uma das melhores colheitas do século) ou o Barca Velha, até meados dos anos 80; em ambos os casos sempre se observaram graduações em torno dos 12,5%. A explicação assenta no nosso actual conceito de vinho tinto: enquanto há 40 ou 50 anos o normal era fazer um grande tinto para começar a ser bebido 10, 15 ou 20 anos depois, actualmente, e sem perda de longevidade, queremos beber os vinhos mais cedo. Ora, para que isso seja possível é necessário deixar amadurecer bem a uva para que os taninos também se tornem mais maduros e permitam o consumo do vinho logo que é posto à venda. Uva mais madura significa mosto com mais açúcar e isso faz aumentar o teor alcoólico do vinho. Dito por outras palavras, os tais vinhos antigos eram mais ou menos imbebíveis em novos e os actuais são agradáveis logo à saída da adega. Depois há outro factor: a localização da vinha, quer em termos de exposição, quer de altitude. Aqui é possível jogar com a data da vindima e obter vinhos menos densos e com menos grau. Há uma tendência actual – que se aplaude – que aprecia e premeia os vinhos com menos álcool mas, como acontece sempre, logo chegaram os exageros de produtores que acham que agora os vinhos têm de ter apenas 10 ou 11% de álcool. Ter uma vinha no Douro, com exposição sul, ou no Alentejo, nos solos de Beja e querer fazer vinho com 10º é um disparate. Qualquer produtor gosta de dizer (fica bem…) que o seu vinho espelha o terroir, é a expressão do solo e clima. Ora, como é que tal é possível se o vinho resulta deslavado, sem cor, sem álcool e sem estrutura? Nesses casos não é mais do que uma solução hidro-alcoólica com ácido tartárico! Que de uma região fresca se façam vinhos pouco graduados é normal; o mesmo resultado de regiões quentes é anormal. Como nos disse Stephan Asseo, «na Califórnia, em virtude do clima, não é possível fazer vinhos maduros com menos de 14,5 ou 15º». Temos então que o vinho deve ser a expressão do local mas cada local tem a sua expressão. Alterá-la porque sim, porque «eu gosto é de vinhos pouco graduados» pode ser giro em roda de conversa mas não deixa de ser uma tontice. Alguns dos nossos produtores estão a embarcar neste engodo e a fazer vinhos deslavados e sem graça. Vinhos com menos grau? Seguramente, mas com alma e com o selo da origem. De outra forma estamos a enganar o consumidor, ainda que muitos, actualmente, não se importem de ser enganados.
Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)
João Portugal Ramos Vinha de São Lázaro tinto 2019
Região: Alentejo
Produtor: J. Portugal Ramos
Casta: Touriga Nacional
Enologia: equipa dirigida por João Ramos
PVP: €30
Este tinto integra um trio de vinhos de parcela recentemente lançados pelo produtor, onde se inclui um outro tinto (Vinha do Jeremias) e um rosé já aqui referido em crónica anterior. A vinha (1,5 ha) está situada na encosta do castelo de Estremoz. O ano, muito seco, gerou baixas produções mas boa concentração dos mostos.
Dica: as uvas foram pisadas em lagares de mármore. O ambiente aromático é delicado e floral, todo em elegância. A boa estrutura de boca assegura-lhe vida em cave mas não deixe de o provar agora.
Antónia Adelaide Ferreira tinto 2017
Região: Douro
Produtor: Casa Ferreirinha – Sogrape Vinhos
Castas: 81% de Touriga Nacional e Franca, 13% Vinhas Velhas, 6% Sousão
Enologia: equipa dirigida por Luis Sottomayor
PVP: €70/75
Aqui juntam-se uvas de cinco quintas e o vinho é vinificado em inox na quinta da Leda e depois termina a fermentação em barricas. O estágio prolonga-se por 2 anos em toneis. Foram produzidas 2620 garrafas.
Dica: concentrado, rico, balsâmico, muita fruta negra. Complexo e com taninos polidos, boa arquitectura de boca. Um grande Douro, a beber com atenção.
L’Aventure tinto 2019
Região: Califórnia (Paso Robles)
Produtor: Stephan Asseo (Importador: Direct Wine)
Casta: Cabernet Sauvignon com 5% de Petit Verdot
Enologia: Stephan Asseo
PVP: €133
Francês de origem (Bordéus) Stephan mudou-se para Paso Robles nos anos 90, entre S. Francisco e Los Angeles e aí começou a produzir vinhos, sempre inspirado nos vinhos do Rhône e, claro, nos de Bordéus.
Dica: belíssimo exemplar do Cabernet Sauvignon das terras quentes da Califórnia. Cheio, macio, texturado e com óptima acidez, um tinto de enorme qualidade, aqui ou em qualquer lugar.
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