E, se recuarmos muito, só paramos na Bíblia Acontece com frequência. Temos tendência a pensar…
Doces não vão os tempos
Os vinhos também não escapam
Temos alguns dos vinhos doces mais famosos do mundo. Destaca-se o Porto mas, logo de seguida, vêm os vinhos da Madeira e Moscatel de Setúbal. Vinhos doces produzem-se em todos os continentes e alguns são mesmo de fama mundial: é o caso dos brancos de Sauternes (França), feitos sobretudo com a casta Sémillon mas também com Sauvignon Blanc e Muscadelle, e os Tokaji (que pronunciamos como tokay) e que nascem na Hungria e são feitos com Furmint. Estes dois vinhos têm a particularidade de serem produzidos com uvas em adiantado estado de podridão, chamada de «nobre» por oposição à podridão acética que gera mostos avinagrados. Para a selecção desta semana escolhi três vinhos de Colheita Tardia. Para serem produzidos não é necessário que exista podridão nobre, basta que as uvas se mantenham saudáveis na vinha, vão engelhando e perdendo sumo. Concentra-se o mosto (que fica muito doce) e a acidez e, depois, para-se a fermentação antes do fim, resultando então um vinho doce porque ficou açúcar por desdobrar. Os Sauternes, nascidos a sul de Bordéus onde as vinhas ocupam 2 200 ha, são os clássicos companheiros do foie-gras, iguaria que os franceses devoram na época natalícia. Servido mais fresco que os outros brancos, o Sauternes é inimitável. Mas isso não chega para contrariar a actual tendência de consumo que se está a afastar dos vinhos doces. Vendem-se muito menos e, apesar dos preços convidativos, não está a haver mercado para eles. Isso obrigou os produtores a lançarem novos produtos. Já há algumas décadas que os mais famosos châteaux tinham criado uma marca de branco seco que ajudava nas contas: surgiram o Y de Yquem, o R de Rieussec, o S de Suduiraut e por aí fora. O que está a acontecer agora, e tenho o exemplo fresco do Suduiraut, é que se vai alargar imenso o portefólio dos brancos secos, deixando apenas o «crème de la crème» para fazer o Sauternes clássico. Toda a região atravessa neste momento muitas dificuldades para colocar os seus vinhos. É significativo que o Sauternes seja o mais barato dos três vinhos que hoje selecciono. Parece que nunca encontramos o momento certo para abrir uma garrafa e, por isso, quase todas as marcas vendem os vinhos também em meias garrafas, uma medida mais ajuizada para um grupo mais pequeno. Reinventar é a palavra de ordem, lá como cá e o Vinho do Porto não escapa a este clima anti-açúcar. Há por isso que criar novas formas de abordar o Porto mas, sobretudo, promover o consumo, coisa que entre nós (e na região do Douro) ou não existe ou faz-se tão desarticuladamente que não se vêem os resultados. Em Portugal encontramos já uma quantidade significativa de vinhos de Colheita Tardia, uns feitos à imagem dos Sauternes, outros feitos apenas com uvas colhidas tardiamente. Atenção que «tardiamente» aqui quer muitas vezes dizer que se vindimou em fins de Novembro e até em Dezembro. E como por cá o foie não é propriamente petisco vulgar, há que escolher outras formas de consumo, seja com algumas sobremesas não muito doces, seja com alguns queijos, nomeadamente os chamados queijos azuis. Há que ousar e experimentar. Os resultados podem ser surpreendentes.
Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)
Kressmann Grande Réserve branco 2018
Região: Sauternes (França)
Produtor: Kressmann (Importador: Ivin)
Castas: Sémillon; Sauvignon Blanc e Muscadelle
PVP: €11 (37,5 cl)
A empresa, criada ainda no séc. XIX, comercializa vinhos que adquire na produção e, após a elaboração do lote, são vendidos sob o nome da família.
Dica: aroma clássico das uvas com podridão, citrinos confitados, suave e elegante. Doce mas com boa acidez, um perfeito vinho para foie ou sobremesas.
Casa de Vilacetinho Colheita Tardia branco 2018
Região: Vinho Verde
Produtor: Soc. Agr. Casa de Vilacetinho
Casta: Avesso
Enologia: Fernando Moura/
PVP: €34,99 (37,5 cl)
Feito com uvas em passa, o que gerou um vinho com 82,4 gr/açúcar/litro. Apenas se produziram 500 garrafas.
Dica: cor de moscatel velho, aroma muito impositivo de uvas em passa, o verdadeiro colheita (muito?) tardia. Muito boa harmonia de boca, doce mas bem equilibrado, funciona muito bem até a solo.
Foral de Évora Colheita Tardia branco 2016
Região: Alentejo
Produtor: Fund. Eugénio de Almeida
Casta: Sémillon
Enologia: Pedro Baptista/Duarte Lopes
PVP: €22,98 (37,5 cl)
Fermentou em inox e, no final, parte do vinho passou para barricas usadas onde estagiou sobre borras finas. Tem 13% álcool e 96,3 gr. açúcar/litro.
Dica: aroma discreto com fruta muito madura, a doçura é aqui compensada pela acidez. Um agradável branco de sobremesa, pouco ousado.
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