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Queremos surpresas ou não?

E uma nota in memoria

1. Escolher vinhos para uma prova e juntar um grupo de adeptos disponíveis para o melhor e o pior nem sempre é fácil, sobretudo porque, se o tema forem vinhos com alguma idade, exige-se mente aberta e preconceitos na gaveta. Recentemente organizei mais uma prova com vinhos que começavam na colheita de 1955 e acabavam em 2014. Muitos comprados em leilão, com todos os riscos que isso implica: sabe-se lá onde estiveram guardados e que maus tratos terão sofrido. Por essas e por outras, nunca compro caro em leilão e espanto-me a ver vinhos serem arrematados por preços altos quando, na melhor das hipóteses, apenas estarão decadentes mas…bons? nem pensar! Assim, foi normal ver vinhos tintos de Colares já passados, alentejanos moribundos, bairradinos em sofrimento. Felizmente há sempre boas razões para satisfação: Alvarinhos com 13 anos a darem muito boa conta de si (Soalheiro e Poema), um Lagoalva de Cima tinto 1992 (com Periquita e Syrah) numa forma incrível; Colares branco da Fundação Oriente 2009 em grande forma; um Niepoort Projectos Riesling 2005 a deixar todos incrédulos, um Bons Ares branco 2011 e um Adega Vidigueira Antão Vaz 2014 também em muito boa condição. Nos tintos houve outras boas surpresas: Pasmados 90, D’Avillez 2001, Tapada de Coelheiros Garrafeira 2001, Aneto 2002 e Pellada Alvarelhão 2011. Com a sobremesa um Carcavelos Villa Oeiras cumpriu garbosamente. Haverá outras razões para juntar amigos mas esta, pela conversa que suscita, é insuperável. E, é sempre bom não esquecer, mesmo os grandes vinhos fizeram-se para ser bebidos, não para olharmos para eles. Missão cumprida!

2. Seria muito injusto não deixar aqui uma palavra de saudade ao meu amigo Rui Moura Alves, recentemente falecido. Bairradino de gema, autor de muitos dos grandes vinhos da região dos anos 70, 80 e 90, ficou conhecido junto da «fileira gourmet» pelo seu vinagre Moura A1lves que foi o primeiro grande vinagre natural de vinho feito entre nós, entretanto secundado por outros que lhe seguiram o exemplo, como a quinta das Bageiras. Até eu, sem qualquer pretensão, tenho 3 barricas no quintal, pacientemente à espera que o tempo faça o seu papel, uma vez que, aprendi com o Rui, são precisos cerca de 10 anos para que o vinagre natural de vinho atinja o nível pretendido. Generoso, amigo do amigo e resiliente qb, o suficiente para ter vivido muito mais tempo do que aquilo que os médicos vaticinavam, em função da doença cancerosa. As tainadas de leitão com os amigos mantiveram uma regularidade semanal até ao fim. Assim é que é! Polémico, conservador (adorava azeite com cheiro a tulha…) e pouco aberto à novidade (espumantes fora da Bairrada? Nem pensar!), o Rui era uma figura. Muitos não apreciavam o estilo mas eu sempre mantive com ele uma relação de proximidade e amizade. Vou beber hoje um cálice da aguardente feita por ele que, sempre que me via, perguntava se não estava a precisar de um reforço. Que descanse em paz. Quem não conhece, faça o favor de ir a uma loja, ou bom supermercado, e compre um vinagre Moura Alves (o tema vinagre já foi tratado no Expresso, num texto que saiu da secção Vícios. Provavelmente não vai querer comprar outro. Mas cuidado: este vinagre tem 10º de acidez, enquanto os «normais» têm apenas 6º; com este, gasta-se menos mas o prazer é maior. Não é caro, é bom!

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Mamoré Sem Amarras tinto 2020
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Soc. Vinhos de Borba
Casta: Carignan
Enologia: António Ventura/Rafael Neuparth
PVP: €32 (preço referente à Garrafeira de Alvalade, em Lisboa)
Esta casta, outrora muito usada, faz hoje figura de ovni: rara, desconhecida, enigmática. Em boa hora foi aqui preservada porque merece mais atenção.
Dica: um grande, grande, grande tinto alentejano. Uma surpresa e tanto. Por este preço é um verdadeiro achado.

Cartuxa branco 2020
Região: Alentejo
Produtor: Fundação Eugénio de Almeida
Castas: Antão Vaz e Arinto
Enologia: Pedro Baptista
PVP: €15
O mosto é vinificado em inox e depois o vinho fica em estágio sobre as borras durante 9 meses. Esta é a marca clássica da Fundação, também com duas versões em tinto: Colheita e Reserva.
Dica: um clássico é sempre um clássico e este branco de meia-estação dá sempre uma boa prova, maduro mas com boa frescura. Um porto seguro.

Dona Matilde tinto 2018
Região: Douro
Produtor: Quinta Dona Matilde
Castas: variadas, as mais habituais na região (a vinha tem 26 anos)
Enologia: João Piçarra
PVP: €9,50
A fim de preservar a fruta e o carácter jovem do vinho, o estágio foi apenas parcial e em barricas usadas. Foram produzidas 25 000 garrafas.
Dica: este é um tinto fiel e fiável, sempre muito harmonioso e que dá uma excelente prova. Grande companheiro da mesa, a preço bem ajustado.

 

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