Setúbal dá um passo em frente Tal como tinha anunciado na semana passada é hoje…
Sozinha ou acompanhada, eis a questão
Inovar ou continuar a tradição?
Como se pode ver, os vinhos que selecciono hoje são todos feitos com uma única casta. Por isso lhes chamamos vinhos varietais. Enquanto produtor secular de vinho, Portugal nunca teve o hábito, ou tradição, de fazer vinhos de uma só variedade. A principal razão, creio, deve-se ao facto das vinhas antigas terem as castas misturadas e, com frequência, brancas com tintas na mesma vinha. Foi só quando se começou a plantar por casta, uma parcela uma variedade, que se tornou mais viável fazer vinhos monocasta. Mesmo em regiões onde uma casta dominava, como é o caso de Bucelas e da Arinto, não havia tradição de se usar apenas Arinto; juntava-se Esgana Cão (que é idêntica à Sercial madeirense) e Rabo de Ovelha. Foi só nos anos 90, e na Quinta da Romeira, que surgiram, da responsabilidade do enólogo Nuno Cancela de Abreu, os primeiros vinhos feitos exclusivamente de Arinto. Foi grande a novidade. Este produtor/enólogo fez agora uma parceria com a quinta de Celões (20 ha de vinha), a quem adquire a uva para este Morgado. Já em Monção e Melgaço, o domínio da Alvarinho é quase absoluto mas a região ganhou fama secular…com vinhos tintos! É essa tradição que vários produtores estão a tentar recuperar, usando castas como Brancelho, Alvarelhão, Cainho tinto e Espadeiro, entre outras. A Alvarinho, ainda que referenciada desde o séc. XIX, só ganhou protagonismo já nos anos 40 do séc. XX. Poucas regiões apostavam em casta (quase) única; os melhores exemplos poderão ser a Bairrada onde a Baga dominava, e Setúbal onde a Castelão ditava regras. Mesmo assim havia com frequência «castas de tempero», o sal e a pimenta que ajudavam ao lote final. No caso do Douro – secularmente dedicada apenas a produzir vinho do Porto – a inexistência de varietais era óbvia. A Roriz, do varietal que trago hoje, casta-rainha na Ribeira del Duero mas também em Rioja, é uma variedade madrasta e gera ódios de estimação (nomeadamente no Dão) e alguns aplausos. Não se dá bem em qualquer terreno, precisa de zonas bem arejadas e terrenos pobres para poder dar algo aproveitável. E digo aproveitável porque, em terrenos férteis, pode produzir demasiado, gerando depois vinhos delgados e sem alma.
Fazer vinhos varietais tornou-se uma prática habitual e os consumidores passaram a falar de castas e técnicas de produção como nunca antes tinham falado. Nos anos 80 do século passado ninguém sabia dizer que castas estavam dentro da garrafa. Por isso o tinto Romeira fazia grande figura porque, num mini contra-rótulo, indicava Tinta Meuda, Bom-Vedro e Trincadeira. Hoje fazer varietais é um desafio porque a verdade é que são muito poucas as castas que se bastam a si próprias e que têm tudo – aroma, sabor, acidez, corpo, taninos, final. Ainda assim os vinhos varietais têm muito para contar e não raramente encontramos enormes surpresas em castas que por tradição eram usadas em lote, como a Antão Vaz, a Encruzado e, claro, a Touriga Nacional, só para citar algumas. E o exercício de descobrir «que casta é que aqui ficava bem para ajudar» é um óptimo pretexto para um convívio de amigos. O vinho, sobretudo em épocas cinzentas, tem a virtude de nos trazer momentos de prazer e ânimo.
Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)
Espumante João Portugal Ramos Alvarinho Grande Reserva 2014
Região: Vinho Verde Monção e Melgaço
Produtor: J. Portugal Ramos
Casta: Alvarinho
Enologia: J. Portugal Ramos
PVP: €39,90
Parte do mosto fermenta em madeira e aí repousa 8 meses. O estágio em garrafa após a segunda fermentação, estende-se por 72 meses. Só então foi colocada a rolha de cortiça.
Dica: muito fino de perfil, combina um lado de fruta citrina fresca com um tom austero, de pedra raspada, tudo a puxá-lo para a mesa, sobretudo para marisco.
Morgado de Bucelas Cuvée Arinto branco 2020
Região: Bucelas
Produtor: Soc. Agríc. Boas Quintas
Casta: Arinto
Enologia: Nuno Cancela de Abreu
PVP: €13
A vinha está implantada em terrenos calcários. O mosto fermentou em barrica nova e depois teve um estágio de 6 meses na madeira.
Dica: dourado na cor, aromas citrinos e de tosta de barrica, completados na boca por excelente untuosidade e envolvência. Para peixes gordos ou com molho de manteiga/natas.
Churchill’s Estates Grafite tinto 2019
Região: Douro
Produtor: Churchill Graham
Casta: Tinta Roriz
Enologia: John Graham/Ricardo Nunes
PVP: €16,50
7 000 garrafas. A Gricha tem 50 ha dos quais 40 de vinha. 30% do vinho estagia em madeira, nova e usada.
Dica: o vinho revela-se ainda jovem, com taninos firmes, a dizer também que tem longa vida em cave. A provar e a guardar.
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