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Os novos mercados e a aldeia global

De repente ficamos a saber tudo

Escrevo nos dias difíceis que todos julgávamos impensáveis. Neste ambiente de incerteza acabamos por descobrir que vivemos de facto numa aldeia global em que todos dependemos de todos. Desde as trocas comerciais, o acesso às matérias-primas, minério, combustíveis e bens alimentares, ficamos a saber que ninguém vive isolado. E é nestes momentos em que se fala de sanções que percebemos que muitos terão muito a perder e pouco ou nada a ganhar. No caso português, e no sector do vinho em particular, a Rússia tornou-se um mercado muito interessante para os produtores nacionais. Recordo que a entrada nesse mercado, bem como no dos outros ex «países de leste», foi sobretudo uma consequência do desmembramento da União Soviética que se operou a partir de 1991. Nesse esforço de alargamento, as instituições vocacionadas para a promoção, como a Viniportugal e a CAP, apontaram para novos mercados onde fosse possível fazer entrar os nossos vinhos. Para além dos países de leste, também a China foi alvo importante, tido como campo a explorar. Assisti a algumas das acções levadas a cabo na China e percebi que, para nós, era um mercado de extremos: ou conseguíamos colocar vinhos ridiculamente baratos ou, para zonas como Macau e Hong-Kong, era possível vender os melhores e mais caros vinhos. Defrontámo-nos com hábitos de consumo estranhos, como a Polónia e a Rússia que gostam de vinhos tintos e brancos com elevado teor de açúcar e com gás, ou com uma gastronomia, a chinesa, onde os vinhos entram com dificuldade. O que fazer para que um chinês pondere a hipótese de beber vinho com uma alimentação baseada em «sopa de fitas» como os macaenses chamavam aos caldos com massa que ali se comem desde o pequeno almoço até ao jantar? Neste ambiente gastronomicamente estranho os nossos vinhos têm de entrar com pezinhos de lã. O mercado russo, para onde é difícil enviar amostras e onde até o envio de mails é um teste à paciência, tem-se revelado um bom destino para os nossos vinhos, com fontes diversas a apontarem para um valor entre 35 e 45 milhões euros em 2021. Há uma forte presença dos Vinhos Verdes e outras empresas com vinhos de grande volume e baixo preço (em 2019 o preço médio foi de €1,84/garrafa, contra, por exemplo, €1,20 de Espanha). O que mais exportamos são vinhos sem Denominação de Origem, mais conhecidos como «Vinhos de Mesa». Um dos produtores com forte presença local – a Casa Santos Lima – e com volume de negócios perto dos dois milhões de euros, está naturalmente expectante, como nos confirmou. Ainda na semana anterior ao início da guerra 29 produtores estavam numa feira em Moscovo – PRODEXPO – a promover vinhos e a fechar contratos tendo como referência a moeda (rublo) com um valor que agora está, para já, 30% abaixo da cotação de então. Apesar dos seguros de crédito que por norma estas transacções implicam, o futuro próximo é uma grande incógnita. Só para se ter uma ideia, a Rússia é o 5º maior mercado para Mateus rosé. Com uma gastronomia onde os nossos vinhos entram mais facilmente, aqueles dois mercados, agora inimigos, têm tudo para continuar a ser bons destinos vínicos. Assim a loucura bélica ganhe juízo.

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Quinta dos Murças Reserva tinto 2016
Região: Douro
Produtor: Murças (Esporão)
Castas: vinhas velhas
Enologia: José Luis Moreira da Silva
PVP: €22
A vinha situa-se entre a Régua e o Pinhão. Este tinto resulta de vinhas velhas, as uvas foram pisadas a pé em lagar. O tempo que leva de vida permitiu o polimento das arestas e o vinho está agora no seu melhor.
Dica: fruta madura, muito bom equilíbrio entre corpo e acidez. Um prazer, a beber desde já. Preço ajuizado.

Terrenus Vinha da Serra branco 2019
Região: Alentejo (Portalegre)
Produtor: Rui Reguinga
Castas: field blend (castas misturadas na vinha)
Enologia: Rui Reguinga
PVP: €30
Vinha centenária em altitude. Castas fermentadas em conjunto em ovo de cimento. Estágio de 6 meses em cascos de 500 litros. Produção de 2000 garrafas.
Dica: aroma rico e complexo, flores brancas e ervas secas, com grande frescura na boca. Um branco muito expressivo, bom exemplar de Portalegre.

Dalva Porto Vintage Pure 2019
Região: Douro
Produtor: C. da Silva
Castas: várias
Enologia: José Manuel Soares
PVP: €65
O termo Pure indica um vinho biológico, tendência que tem cada vez mais adeptos na região. A marca Dalva existe desde 1934 e a empresa desde 33, fundada por Clemente da Silva. A marca resulta da contracção do nome: da(si)lva. Hoje integra o grupo Porto Cruz.
Dica: o lado bio não é evidente na prova mas o vinho está fino, com taninos bem firmes, a sugerirem guarda em cave. Fruta de imensa qualidade, belo conjunto.

 

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