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Quando uma palavra muda tudo

E se passa de pecado mortal a venial

Quando andei na catequese aprendi que havia dois tipos de pecados, o mortal e o venial. Do primeiro ninguém queria nem ouvir falar porque era um passaporte para o fogo eterno do inferno. Livra, pensava eu, isto sempre a arder sem parar, é melhor pôr-me ao fresco… e, portanto, os pecados mortais eram de evitar a todo o custo. Os veniais eram os pecados ah e tal, coisa leve, um pecadilho aqui, ah e tal uma mentira ali, um palavrão fora do sítio, ah e tal uma estalada num irmão, etc, etc, nada de muito perigoso. Com estes vivia-se bem e assim consegui, helas, chegar a adulto sem excessivo calor das chamas. No caso do vinho também estivemos à beira do inferno mas fomos salvos, seguramente por santos e arcanjos. Expliquemo-nos: a Comissão Europeia preparava-se para incluir o consumo do vinho no conjunto dos pecados mortais, neste caso pecados que geram cancro. Dessa forma os rótulos passariam, quem sabe, a incluir fotos de tipos com a goela aberta, tudo escalavrado à conta do consumo do vinho; seria assim igual ao que acontece nos maços de cigarros que incluem fotos escabrosas de feridas cancerígenas derivadas do consumo excessivo do tabaco. Tocaram os alarmes e o sector do vinho, sobretudo os países do sul da Europa viram-se confrontados com algo que, a ser aprovado, viria a pôr em sério risco toda a actividade económica que gira em torno do vinho. Já estamos a imaginar o sector dos produtores de refrigerantes a esfregar as mãos de contentes. Mas o bom senso imperou e toda a campanha do sector do vinho – entre nós levada a cabo pela ACIVEB – Associação de Vinhos e Espirituosas de Portugal – ia no sentido de defender um consumo responsável como a melhor maneira de combater o alcoolismo. Sejamos claros: existem de facto, sobretudo nas zonas rurais, graves problemas relacionados com o consumo excessivo de álcool. Podem ser muitas as razões que se encontram para isso mas o isolamento, a falta de instrução, os horizontes sem objectivos e alguma tradição que associava o vinho quer com a masculinidade quer como factor fornecedor de energia, de tudo se pode falar para esse problema que está longe de se resolver. Recordo-me, já que enquanto jovem passei sempre férias no campo, o alcoolismo era um assunto sério entre os trabalhadores rurais. Ora esses problemas não se resolveriam com fotos nos rótulos com gargantas abertas e estômagos dilacerados, entre outras razões porque esses consumidores nem rótulos vêem porque consomem só vinho a granel, na tasca. A resolução final da Comissão Europeia introduziu a palavra salvadora: excessivo. Assim não é o consumo que provoca o cancro, é o consumo excessivo. Há anos que o sector do vinho procura defender a ideia do consumo moderado como elemento tradicional inerente a toda a cultura mediterrânica, com estudos que apontam para os benefícios do consumo moderado do vinho. Assim se consegue passar de pecado mortal, com o estigma social associado ao inferno canceroso, ao pecado venial em que, mesmo que seja um copinho a mais, não é nada que, após confissão, não se resolva com 3 avé-marias e um pai-nosso convicto. Tamos safos. Ó pessoal aí da fornalha, desculpem lá mas aí não me apanham. Safei-me com um pecadito venial…

Sugestões da semana:
(Os preços foram indicados pelos produtores)

Numanthia tinto 2016
Região: Toro (Espanha)
Produtor: Bodegas Numanthia
Casta: Tinta de Toro
PVP: €50,95 (loja Gourmet Corte Inglés)
Vinhedos entre 50 e 200 anos. Aroma denso, ainda fechado, muita fruta negra, chocolate negro, mirtilos. Grande volume de boca com taninos poderosos e um final longo.
Dica: misterioso mas cheio de classe. Decantação obrigatória em virtude do depósito que apresenta no fundo da garrafa. Justifica cada euro…

Quinta de Monforte rosé 2020
Região: Vinho Verde (Penafiel)
Produtor: Quinta de Paradela de Monforte
Casta: Vinhão
Enologia: Francisco Gonçalves
PVP: €13
A quinta remonta ao séc. XVII. O actual proprietário adquiriu-a em 2014. Foram produzidas 1600 garrafas deste rosé que tem uns ajuizados 12% de álcool. Para rosé não se costuma usar a casta Vinhão por ter cor excessiva. Houve aqui muito trabalho de adega.
Dica: leve e com acidez marcada, é um rosé muito apto para mariscos ou saladas frias de peixe, por exemplo.

Porto Quinta do Pessegueiro White Leve Seco
Região: Douro
Produtor: Quinta do Pessegueiro
Casta: Viosinho, Rabigato e vinhas velhas
Enologia: João Nicolau de Almeida
PVP: €14,90
O mosto fermentou com as películas até à adição da aguardente. A secura deriva do baixo teor de açúcar (37 gr/l). No final ficou com 16,5% de álcool.
Dica: leve e muito fresco, um perfeito companheiro para entrada ou a acompanhar sobremesas não muito doces. A garrafa deve ficar sempre no frio.

 

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