skip to Main Content

As ironias do clima

Tudo junto, aplaudir e protestar

Faz agora 15 dias que vi na SIC Notícias, no programa 60 minutos, uma reportagem que preencheu cerca de metade do tempo sobre as alterações climáticas e os seus efeitos na produção de vinho. A notícia centrava-se em França, na região de Bordéus, mas focava também outras zonas onde, inesperadamente, se começa agora a produzir vinho com muita qualidade. Apontaram-se os problemas sérios que a viticultura enfrenta, como sejam as geadas fora de época – o que foi dramático em 2021 – e que irá reduzir muito a produção de zonas como a Borgonha ou até Bordéus; o facto de termos invernos amenos (tal como este que estamos a viver) e que não permitem que a planta se recomponha, se veja livre de bicharada que seria aniquilada com frio, gelo ou neve, o que também não augura nada de bom. Com as podas agora a decorrer, e se o clima continuar ameno, vamos ver a vinha renascer, se calhar, um mês antes do normal, o que de normal não tem nada e de vantajoso também não. As alterações do clima levaram a que os sinos tocassem a rebate e se comece a apensar se não será necessário introduzir novas castas mais resistentes ao calor e repensar a localização das vinhas; em Bordéus foi autorizada, por exemplo, a introdução da Touriga Nacional, entre outras, para se estudar o seu comportamento em novo ambiente climático. Falou-se no programa da caminhada em direcção ao norte que a vinha tem conhecido; eu sou do tempo em que os primeiros vinhos da Bélgica foram recebidos com incredulidade mas, depois, já não ficámos tão admirados quando vimos surgir no mercado os primeiros vinhos espumantes produzidos no sudoeste da Inglaterra, país que nunca associámos com a produção de vinho. A seguir virá a Dinamarca e a Noruega e ficamos sem saber onde irá parar. Sobe-se em latitude e também em altitude com a consequente desertificação do sul onde, para mal dos nosso pecados, nos situamos. O vinho que provei da Bélgica passava facilmente por um Borgonha branco de boa qualidade e o espumante inglês bate-se com os seus congéneres de Champagne (até no preço). Tudo a ficar virado ao contrário, portanto. Chegados aqui, fica a ironia, de resto bem assinalada na reportagem: com este aumento das temperaturas, as colheitas, digamos, dos últimos 15 anos, têm tido uma constância de qualidade invejável. Por cá foi uma década (de 2010 a 20) de ouro, nomeadamente para Vinho do Porto, em que se conseguiu a proeza de declarar vintage clássico três anos seguidos e, em Bordéus, a qualidade tem-se mantido num patamar muito alto colheita após colheita. Longe vão os anos da miséria (bordalesa) em que, na década de 50, encontramos apenas um ou dois anos bons (53 e 59) e na década de 70 ninguém fala de vinhos dignos de nota. O clima está a desgraçar-se, estamos a dar cabo do nosso futuro mas os vinhos estão melhores e há vinhos melhores com mais frequência. Veja-se o simples exemplo dos tintos topo de gama DOC Douro que se têm produzido ano após ano, sem falhas. Poder-se-ia perguntar: agora afinal é sempre bom? Não há variações? O preço é sempre alto? Em que ficamos? Pois é, o clima tira e dá e resta-nos pouco mais do que agradecer. Ou para os que vejam nisso uma solução, rezar!

Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, foram fornecidos pelos produtores)

Pedra Cancela Vinha da Fidalga branco 2019
Região: Dão
Produtor: Lusovini
Casta: Cerceal-Branco
Enologia: Sónia Martins
PVP: €10,50
A casta está a renascer no Dão e também existe no Douro, aí apenas como Cerceal. A Lusovini tem vinhos no Dão, Bairrada e Portalegre. O traço que liga estes vinhos é a excelente relação qualidade/preço. Deste fizeram-se 1300 garrafas.
Dica: algum «peso» na cor, aroma maduro onde cabem resinas e leve nota de compota. Branco de inverno, perfeito no corpo e na acidez. Intensamente gastronómico.

Vinha Grande tinto 2019
Região: Douro
Produtor: Sogrape Vinhos
Castas: várias
Enologia: equipa dirigida por Luis Sottomayor
PVP: €10
Esta é uma das marcas mais antigas da Sogrape e hoje a produção atinge quase 500 000 garrafas. No lote dominam as duas tourigas, um tinto de inegável qualidade para o preço que apresenta.
Dica: não requer guarda e deve mesmo ser desfrutado desde já. Notável harmonia de conjunto.

Quinta do Noval LBV Unfiltered 2016
Região: Douro
Produtor: Quinta do Noval
Castas: lote de cinco castas tradicionais
Enologia: Carlos Agrellos
PVP: €21,50
Feito exclusivamente com uvas da própria quinta. Após 5 anos em casco foi engarrafado sem filtração, podendo por isso apresentar ligeiro depósito.
Dica: ambiente químico com notas de frutos negros e chocolate. Macio, doce, envolvente, grande textura na boca, apetece mastigar. Final longo cheio de classe.

 

This Post Has 0 Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Back To Top
Search