Setúbal dá um passo em frente Tal como tinha anunciado na semana passada é hoje…
Para o norte e a trepar os montes
A reboque do clima, enquanto for possível
Enquanto escrevo este exto está ainda a decorrer a cimeira de Glasgow sobre o clima e as desgraças que se avizinham se não ganharmos juízo. Este tema é um dos assuntos recorrentes das notícias e espera-se que, de tanto ouvirmos falar nele, façamos também (pelo menos) a nossa parte de reciclar, reduzir e reutilizar. O clima tem mudado demasiado depressa e os vinhos e as vinhas também se ressentem. Repare-se: nos anos 80, era um dado adquirido que a vinha era uma cultura que, muito dificilmente, poderia passar a latitude da Borgonha. É verdade que a região de Champagne fica um pouco mais a norte mas a maturação das uvas também não era um assunto preocupante, uma vez que se vindimam ali uvas com 10º de álcool provável. Eis senão quando, já nos anos 90, surgem as primeiras notícias de vinhos brancos de Chardonnay…na Bélgica. A surpresa foi tão grande que até Jancis Robinson confessou que, por o ter provado às cegas, pensou tratar-se de um branco da Borgonha. Também provei este branco e dou inteira razão à autora inglesa. Uma grande surpresa. Mas a coisa não ficou por aqui. Em finais de 90 e começos deste século veio a notícia bombástica: o sudoeste da Inglaterra estava a produzir espumante e, dizia-se, com classe suficiente para se bater com os franceses. E é verdade, a ver pelos que já provei. Estamos assim caminhar cada vez mais para norte, a uma velocidade idêntica à que, no sul, faz avançar o deserto, o clima quente que obriga a repensar a vinha. Este assunto «sulista» interessa-nos particularmente porque nos vai bater à porta mais dia menos dia e temos de ter resposta. O que podemos então fazer? Várias coisas: na vinha, temos de escolher porta-enxertos resistentes à seca e castas também elas lidem bem com a canícula; temos de reaprender a condução e a gestão da canópia – aportuguesamento de canopy que se refere à vegetação/cobertura da cepa – uma vez que mais calor implica uma maior protecção dos cachos. O calor vai também obrigar a trepar os montes, a plantar vinha a cada vez maior altitude. Quando é que antigamente se achava possível falar de vinhas a 1000 metros? Sempre houve casos excepcionais como as vinhas de Salta, na Argentina, que chegam aos 3000 metros mas, aqui na Europa, e em Portugal, nunca foi assunto. No entanto é para aí que caminhamos, sempre à procura de melhores condições para que a vinha cresça harmoniosamente. Mas a subida da vinha em altitude tem de obrigar também quem de direito a actualizar Estatutos das regiões que permitam, por exemplo, que as vinhas acima dos 700 m tenham direito a Denominação de Origem e não apenas serem comercializados com Vinhos Regionais. É que, a ver pela velocidade a que o clima muda, daqui a nada essas zonas acima dos 700 m vão valorizar-se tremendamente. Não podemos esquecer que a vinha não funciona em modo rápido, planta hoje e colhe amanhã; isso são as alfaces e os rabanetes. O crescimento e maturação de uma vinha exige tempo e decisões acertadas mas é bom que as instituições ajudem.
Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, foram fornecidos pelos produtores)
Quinta do Cume Grande Reserva tinto 2018
Região: Douro
Produtor: Quinta do Cume
Castas: muitas castas misturadas em vinhas velhas
Enologia: Jean-Hugues Gros
PVP: €44
Após a fermentação em inox o vinho estagiou 18 meses em barricas novas de carvalho. Produziram-se cerca de 5200 garrafas e 300 magnuns.
Dica: muito boa finura de aroma e sabor, um tinto elegante, distinto e cheio de classe.
Já Te Disse branco 2020
Região: Reg. Alentejano
Produtor: BMCC
Casta: Viognier
Enologia: Joachim Roque
PVP: €25
A casta é francesa e chegou a estar quase em extinção mas hoje está expandida por todo o mundo e adaptou-se bem ao Alentejo. Precisa de boa «mão» para não gerar vinhos pesados.
Dica: bom trabalho de vinha e adega geraram este branco cheio, com vigor mas com acidez notável que lhe mantém a frescura. É um projecto novo na região.
Gloria Reynolds tinto 2011
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Reynolds Wine Growers
Casta: Alicante Bouschet
Enologia: Nelson Martins
PVP: €52,90
O vinho estagiou 24 meses em carvalho francês. Começa a ser raro um produtor colocar o vinho à venda após tantos anos de estágio. 5 000 garrafas.
Dica: a casta é hoje um ex-libris do Alentejo e cada vez há mais vinhos varietais feitos com ela. Cor incrível e grande vigor para um vinho com 10 anos. Taninos firmes e grande estrutura asseguram-lhe mais vida em cave. Grande surpresa.
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