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Equilíbrios difíceis

A vinha pode ser muito ou pouco cooperante

Todos os anos se pergunta ao produtor, ainda a primavera vai nos começos, como foi a nascença, ou seja, se a perspectiva é de virmos a ter muita ou pouca uva. Esta primeira impressão, embora muito dependente da forma como decorreu a poda de inverno, tem um quê de imprevisível, como se a vinha estivesse a dizer-nos: alto lá que quem manda aqui sou eu! Já vimos em crónica anterior que não costumamos deixar a vinha produzir o que quer mas tão só aquilo que entendemos como necessário para o tipo de vinho que queremos fazer. Nem sempre assim foi. Tempos houve, e não tão distantes assim, em que o que se procurava é que a vinha produzisse muito. Muita produção significava muito vinho, vinho esse vendido muito barato e originava também um consumo desmesurado. Portugal e a França eram países onde o consumo, durante muitas décadas do séc. XX, atingia os 100 litros per capita, isto numa época em que não havia turismo de massa e, por isso, o consumo era mesmo da responsabilidade dos nativos. Em Portugal, onde o consumo de cerveja nunca atingiu valores muito altos, era o vinho que escorria abundantemente, aqui e nas colónias. Até aos anos 70 do século passado ia-se à carvoaria ou à tasca encher o garrafão com o vinho que lá tinha chegado em barril. Era o paraíso do vinho a granel, a época em que ninguém ligava muito à origem, ao produtor, às castas ou aos métodos de produção. Assim de repente lembro-me que o tinto Romeira era dos poucos que, num minúsculo contra-rótulo, indicava as castas de que era feito. E estávamos já nos anos 80, não estávamos na Idade Média! Basta visitar as instalações de algumas das grandes empresas de vinhos do Ribatejo ou da Estremadura (DFJ, Casa Cadaval, Fiuza, Alorna ou Lagoalva) para se perceber que por ali o vinho contava-se por milhões de litros. As vinhas estavam assim vocacionadas para produzir muito mas, com os limitados conhecimentos técnicos que existiam, por vezes era preciso plantar extensas áreas para se conseguir muita uva. Não conheço dados relativos a Portugal mas, em recente publicação francesa, são avançados alguns dados curiosos: em 1816 a França tinha 1,7 milhões de hectares de vinhedos, contra 750 000 actualmente. A produção seria então de 30 milhões de hectolitros, o que perfaz 17 hectolitros por hectare, algo que actualmente, a existir, seria um desastre financeiro anunciado, já que de 50 a 70 hectolitros é uma produção considerada normal. Então o que aconteceu? Seleccionaram-se melhor as uvas destinadas a consumidores que são mais exigentes com os vinhos que bebem, abandonaram-se práticas antigas do consumo desmesurado, passámos a querer saber mais sobre os vinhos, os enólogos, os produtores, as regiões, as formas de produção. Dispusemo-nos a pagar mais e a beber menos vezes. A carvoaria fechou mas a tasca, sobretudo na província, ainda não. E o drama antigo do alcoolismo não desapareceu, infelizmente. Não estamos a beber mais, temos é mais turistas. Mas temos longo caminho pela frente já que hábitos antigos não se mudam facilmente.

Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, foram fornecidos pelos produtores)

Taboadella Alfrocheiro Reserva tinto 2019
Região: Dão
Produtor: Taboadella
Casta: Alfrocheiro
Enologia: Jorge Alves/Rodrigo Costa
PVP: €15,99
Este é um dos quatro tintos varietais que a quinta produz. A casta, emblemática no Dão, tem viajado um pouco pelo país e já se encontra também na Bairrada, Lisboa e Alentejo.
Dica: magnífica expressão de fruta e de carácter da região, com notas de caruma de pinheiro, uma textura e sabor que são uma verdadeira atracção fatal.

Adega Mayor Antão Vaz branco 2020
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Adega Mayor
Casta: Antão Vaz
Enologia: Rui Reguinga/Carlos Rodrigues
PVP: €9,25
A casta Antão Vaz é um património regional que se expandiu a partir da Vidigueira e actualmente se encontra por todo o Alentejo, a solo mas também frequentemente associada à casta Arinto.
Dica: muito fino e elegante, um banco de requinte a pedir peixes muito delicados ou marisco cozido.

Sandeman Quinta do Seixo Porto Vintage 2019
Região: Douro
Produtor: Sogrape Vinhos
Castas: várias
Enologia: equipa dirigida por Luis Sottomayor
PVP: €68
Em 2019 a empresa declarou dois vintages, este e o Ferreira Quinta do Porto. Na tradição dos últimos lançamentos estes são sempre grandes vinhos com preços que se podem considerar justos e razoáveis.
Dica: concentrado e rico, ambiente vegetal e frutos negros. Um enorme prazer a bebê-lo desde já, antes de guardar algumas garrafas na cave.

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