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Admirado? Olhe que não…

Preconceitos não servem para nada

Uma das razões pelas quais o mundo dos vinhos exerce tanta atracção junto do público é o lado da imprevisibilidade. É só uma das razões, seguramente não a mais marcante mas é dessa que hoje quero falar. A história de que muitos vinhos são tributários, a raridade ou o preço são razões mais fortes do que aquela que referi. O que é imprevisível é que nunca se sabe bem o que se vai encontrar quando se abre uma garrafa de vinho. Estará com saúde? Vai cheirar a rolha? Vai estar já passado? Envelheceu precocemente? Estas são as perguntas iniciais. As do segundo grupo são mais complicadas: vai ligar bem com a comida? Não será muito ácido para o que vou comer? Não será demasiado encorpado para a refeição ligeira que tenho à frente? Muitos consumidores resolvem estes dilemas da forma mais simples: hoje apetece-me beber este vinho, o prato logo se vê se liga ou não liga. Assunto encerrado! Há então aqui uma grande margem de manobra, sendo certo que nunca devemos perder o lado do prazer para não nos tornarmos uns enochatos do pior, daqueles por tudo e por nada sacam do termómetro para ver se a temperatura do vinho é a indicada. Dessa gente (que pulula por aí a fazer-se passar por influencers do vinho) há que fugir. O lado imprevisível, esse, tem-me acompanhado amiúde. As mais recentes experiências foram com um Porto Graham’s vintage 1983. Estamos a falar de um ano que foi considerado clássico (todas as casas declararam vintage) e estava à nossa frente um vinho com quase 40 anos. A cor, a vitalidade, a classe, o vigor e juventude que apresentava levou a que todos apontassem para a viragem do século, talvez um 97, talvez um 2000. Este é assim daqueles vinhos do Porto que nos fazem acreditar que há vinhos para a eternidade. Todos os 83 são assim? Não, daí o lado da surpresa! Menos espectacular mas igualmente surpreendente, um Dão da Quinta dos Roques, Jaen de 1996. O ano foi o mais produtivo de que há memória. Dizia-me então um enólogo da região que «parecia que as uvas nasciam debaixo das pedras» e que a vindima não havia meio de acabar. Pois apesar da produção excessiva, a Jaen (a casta mais plantada no Dão) originou neste produtor um vinho notável a todos os títulos, o melhor Jaen que a casa já produziu. Era previsível? Não! Os anos de grande produção são também anos de grandes vinhos? Quase nunca! Ficamos então do lado das incógnitas em vez de estarmos do lado das certezas. O terceiro exemplo é ainda mais estranho. Num almoço recente em que a produtora que vinha apresentar os vinhos me disse que nascera em 1987, fui à cave para ver o que por lá havia desse ano. Pouca coisa. Um bocado a medo tirei um branco Carvalho, Ribeiro & Ferreira. Sem Denominação de Origem, difícil saber de onde vinha. Preferi abrir antecipadamente o vinho, pelo sim pelo não, e a surpresa foi muito boa. Carregado na cor mas ainda com muita vida, uma acidez espectacular e só com sinais de evolução, não de oxidação. Quem diria? Tivera eu muitos preconceitos e nem a garrafa tinha aberto. Só uma sugestão: estes vinhos mais velhos devem ser abertos em grupo para que as opiniões várias ajudem a entender o que a garrafa nos trouxe. É que nem sempre é fácil ou imediato.

Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, foram fornecidos pelos produtores)

Covela Avesso branco 2020
Região: Vinho Verde
Produtor: Lima & Smith
Casta: Avesso
Enologia: Rui Cunha
PVP: €7,99
Este é um do ex-libris da casa, a casta é a mais representativa desta sub-região dos Vinhos Verdes, já em zona de transição Verdes/Douro.
Dica: um branco fino de aroma, sempre muito vegetal, contido na fruta mas com muita frescura e imensa aptidão gastronómica. Produção bio.

Caminhos Cruzados Reserva tinto 2017
Região: Dão
Produtor: Caminhos Cruzados
Castas: a base do lote é Touriga Nacional e Alfrocheiro
Enologia: Carlos Magalhães/Manuel Vieira
PVP: €18,50
Este produtor entrou no mercado com a marca Titular mas esta é a nova linha agora apresentada, com seis vinhos. A adega fica na zona de Nelas.
Dica: maduro mas muito elegante, notas de violetas e fruta negra. Acidez, corpo e taninos aqui a unirem os caminhos.

Esporão Reserva tinto 2018
Região: Alentejo
Produtor: Esporão
Castas: resulta de um lote de sete castas
Enologia: Sandra Alves/David Baverstock
PVP: €20
A primeira edição deste tinto remonta a 1985. Desde então o reconhecimento dos consumidores tem sido enorme. Assim se explica que agora o número de garrafas atinja aproximadamente as 500 000.
Dica: o vinho resulta com muito boa complexidade, muito ajustado no corpo, já com taninos polidos e a mostrar estar no ponto para consumo imediato. Um clássico do Alentejo.

 

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